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II Simpósio- artigos agrupados Editado ate pagina 1035

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Poderemos encontrar ensaios consideráveis que valem todo o romance. O<br />

“herói” sem qualidades não procura somente um lugar de destaque na história, mas<br />

cultiva fortemente atribuições necessárias à vida. Nesse aspecto, temos no capítulo 62,<br />

“Também a Terra e particularmente Ulrich cultuam a utopia do ensaísmo”, justificativas<br />

consideráveis para o procedimento de conduzir a escrita de Musil e os aspectos<br />

literários filosóficos da obra:<br />

Mais tarde, com maior capacidade intelectual, isso se transformou em Ulrich<br />

numa idéia que já não ligou à incerta palavra hipótese, mas, por determinadas<br />

razões, ao conceito singular de ensaio. Mais ou menos como um ensaio<br />

examina um assunto de muitos lados em seus vários capítulos, sem o analisar<br />

inteiro – pois uma coisa concebida inteira perde de repente sua abrangência e<br />

se derrete num conceito –, ele acreditava ver e tratar corretamente o mundo e<br />

a própria vida. O valor de um ato ou de uma qualidade, sim, até sua natureza<br />

e essência, lhe pareciam dependentes das circunstâncias que os rodeiam, dos<br />

objetivos a que servem, em suma, do todo constituído ora assim ora assado,<br />

ao qual pertencem. (MUSIL, 2015, p. 262)<br />

Percebemos que a “maior capacidade intelectual” não equivale ao melhor<br />

uso da faculdade da razão, mas no exercício de equipará-la à emoção. O ensaísmo de<br />

Musil fica claramente justificado nesse capítulo, e a maneira como ele insere esse<br />

“método” para conduzir a própria vida perante os mais variados acontecimentos, através<br />

da absorção de um “estilo de vida” de Ulrich, foi determinante para o excesso de<br />

conduzir o escritor em terreno ainda não percorrido. Eis outro trecho:<br />

Na natureza de Ulrich havia algo que agia de modo distraído, paralisante e<br />

desarmante, contra toda a ordem lógica, contra a vontade clara, contra os<br />

ordenados impulsos da ambição; também isso se ligava ao nome que ele<br />

escolhera: ensaísmo, embora contivesse elementos que, com o tempo e com<br />

cuidados inconscientes, ele apartara desse conceito. Até a tradução da palavra<br />

ensaio como tentativa, segundo se fez, contém apenas vagas alusões à<br />

imagem literária; pois um ensaio não é a expressão secundária nem<br />

provisória de uma convicção que em melhores condições poderá ser<br />

considerada verdade ou reconhecida como erro (só os textos e tratados que os<br />

eruditos apresentam como “dejetos da sua oficina” pertencem a essa espécie);<br />

mas um ensaio é a forma única, e irrevogável, que a vida interior de uma<br />

pessoa assume num pensamento decisivo. Nada lhe é mais estranho do que a<br />

irresponsabilidade e incompletude das idéias eventuais que chamamos<br />

subjetividade; mas também verdadeiro e falso, inteligente e não inteligente<br />

não são conceitos que se possam aplicar a tais pensamentos, apesar de tudo<br />

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