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II Simpósio- artigos agrupados Editado ate pagina 1035

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Uma descrição de um anti-herói semelhante na literatura brasileira é a do<br />

Jeca Tatu de Monteiro Lobato (1994), a qual inclusive antecede Macunaíma. O<br />

personagem é o modelo do caipira não idealizado, do caboclo como fruto da<br />

mestiçagem do homem branco com o homem nativo (índio), descrito num contexto<br />

arcaico e ruralista da cidade de São Paulo de 1914, abandonado pelo Estado, à mercê de<br />

enfermidades típicas dos países ainda em desenvolvimento, da miséria e do atraso<br />

econômico.<br />

O autor paulista do Vale do Paraíba (1994) descreve o Jeca como um<br />

homem sem conhecimentos escolares, também preguiçoso e sem nenhum conforto em<br />

sua casa. Nas palavras do protagonista: “de qualquer jeito se vive”. Dessa forma,<br />

sempre de pé no chão, de roupas rasgadas e sem nenhum plantio organizado que lhe<br />

oferecesse o mínimo de subsistência, seu voto era totalmente inconsciente, como é<br />

descrito no trecho a seguir:<br />

O fato mais importante de sua vida é sem dúvida votar no governo. Tira<br />

nesse dia da arca a roupa preta do casamento, sarjão furadinho de traça e todo<br />

vincado de dobras, entala os pés num alentado sapatão de bezerro; ata ao<br />

pescoço um colarinho de bico e, sem gravata, ringindo e mancando, vai pegar<br />

o diploma de eleitor às mãos do chefe Coisada, que lho retém para maior<br />

garantia da fidelidade partidária. Vota. Não sabe em quem, mas vota. Esfrega<br />

a pena no livro eleitoral, arabescando o aranhol de gatafunhos a que chama<br />

“sua graça” (LOBATO, 1994, p. 81).<br />

Em uma narração semelhante, Monteiro Lobato (1994, p. 81) evidencia<br />

todas as fragilidades do Jeca Tatu, especialmente quando se trata dele reconhecer a<br />

organização política que o rege. Ao lhe perguntarem quem seria o presidente da<br />

República, ele teria respondido com outra pergunta: “O homem que manda em nós<br />

tudo?... Pois de certo que há de ser o imperador”.<br />

Observa-se então que é também a plasticidade que faz o personagem de<br />

Lobato se transformar e se adaptar às novas exigências (diante da debilitação da saúde<br />

dele assistida por um médico) e se converter em herói, mesmo que cheio de defeitos e<br />

fraquezas.<br />

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