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Poderá fazer ler o texto completo deste livro - Um Jurista ao Vento

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9 - «Abusos» de Linguagem.<br />

A) — Hoje, e pelo menos em Portugal, uma das palavras que é utilizada a torto e a direito, a ponto de<br />

já não sabermos bem o que com ela se quer significar, ou então a ponto de a vermos utilizada como<br />

sinónimo de valores morais supremos, como o Bem, a Bondade, a Verdade, a Justiça, etc. — é, sem<br />

dúvida, a palavra «Democracia» e o adjectivo «Democrático».<br />

Quando se quer dizer de uma coisa que ela é boa, justa, verdadeira, desejável, razoável, virtuosa —ou<br />

mesmo que tem atributos de algo divino (não foi por acaso que surgiu o dito do senso comum: vox<br />

populi, vox Dei...) —, diz-se que é Democrática...<br />

É assim que vemos tudo qualificado de Democrático: da sociedade (e mesmo até da sociedade civil)<br />

diz-se que é (ou deve ser) Democrática; do Estado, prefere-se falar sobretudo do Estado<br />

Democrático, mais do que do Estado-de-Direito; à simples legalidade, não lhe basta ser tal: tem de ser<br />

qualificada de democrática; a Constituição Política é, obviamente, democrática; quando um político<br />

(ou até uma pessoa comum) é simpático, cordato, dialogante e promete o Céu na Terra — diz-se que é<br />

democrático; chega-se até a apelar para «uma radical democratização da vida pessoal» (!!!), seja o<br />

que for que isto signifique...<br />

Como se a «Democracia», apenas em si só, na sua pura facticidade, como mera «vontade» do povo,<br />

ou poder (kratos) do povo (demos), sem uma qualquer referência legitimadora a Valores, ou sem<br />

Cultura, tivesse algum sentido humana ou civilizacionalmente válido, ou algum préstimo, ou<br />

merecesse alguma re-verência especial !...<br />

Trata-se, enfim, de uma verdadeira fétichização e essencialização da democracia, que se converte assim<br />

numa súmula hiperbólica de todos os mais elevados valores humanos e morais, a ponto de estarmos<br />

perante uma verdadeira corrupção e desgaste do sentido autêntico e originário das palavras e da<br />

obnubilação dos verdadeiros con<strong>texto</strong>s em que elas podem ser usadas.<br />

Quando, o que sabemos é que democracia vem de demos (povo) + kratein (o «poder» de «impôr» algo<br />

pela força a alguém, ou de comandar) e significa, portanto, literalmente, o «poder/força» (kratos) do<br />

povo, entendido aqui o «povo» como um suposto ente colectivo, homogéneo e total (como um mito<br />

colecti-vista e totalitário) e pretensamente supra-pessoal !<br />

Ora, não terá sido justamente por isto, ou por causa destas conotações, que TOCQUEVILLE declarou,<br />

sem inibições ou complexos, porém num tempo em que talvez fosse mais fácil dizê-lo, o seguinte:<br />

«Sinto pelas instituições democráticas um goût de tête, mas sou aristocrata por instinto, i. é, desprezo<br />

e temo a multidão. Amo com paixão a liberdade, a legalidade, o respeito dos direitos, mas não a<br />

democracia.» — apud POLIS, citada na bibliografia anexa, volume 1, 1983, pág. 1 145 — ?<br />

Mas, em Carta a HENRY REEVE (Œvres Complétes, Vol. VI, p. 67, Ed. de 1886), o mesmo<br />

TOCQUEVILLE, esclarecia, justamente a este propósito:<br />

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