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Poderá fazer ler o texto completo deste livro - Um Jurista ao Vento

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veio mostrar que existe um abismo entre as normas (morais e jurídicas) relativas à sexualidade e a<br />

conduta de facto de grande número de pessoas. Esta discrepância (se bem que se possa discutir a<br />

representatividade dos inquiridos) é tida por facto averiguado. Mas as conclusões do mesmo relatório<br />

têm sido justamente objecto de crítica por vários sociólogos e antropólogos. A conclusão de que a<br />

variabilidade e plasticidade da conduta sexual do homem é “natural” pretende significar o seguinte:<br />

porque tal diversidade é conatural à natureza biológica do homem, não se justifica que através de normas<br />

e tabus sociais e culturais se reprimam ou julguem desfavoravelmente certas condutas sexuais — a<br />

variabilidade biologicamente natural dessa conduta deveria ser moralmente permitida. Quer dizer: da<br />

facticidade biológica é deduzido um postulado normativo: o biologicamente natural é convertido em<br />

moralmente “natural”.<br />

Esta falácia, que consiste em concluir do ser para o dever-ser, esquece um dado elementar de toda a<br />

antropologia cultural: as instituições, as normas sociais e culturais, vêm justamente seleccionar,<br />

sobrepondo-se à inespecificidade ou indeterminação das pulsões instintivas do homem, certas formas<br />

de conduta que são tidas por “normais” e rejeitar e reprimir outras consideradas anormais. Isto não<br />

significa de forma alguma que estas outras sejam doentias ou “anormais” do ponto de vista biológico:<br />

são- -no apenas do ponto de vista cultural (moral) e social, de acordo com um sistema de valores<br />

adoptado pela sociedade. Que haveria e mais natural (e até saudável, talvez) do que sair nu em dia de<br />

canícula ?» — os itálicos e os bold são simultaneamente do autor e nossos.<br />

Isto porque, o mesmo autor, na mesma obra, umas páginas antes, em contrário de uma leitura apenas<br />

«fáctica» (<strong>ao</strong> modo cientista/positivista) dos comportamentos humanos e sublinhando a<br />

imprescindibilida-de/inevitabilidade de padrões normativo-culturais, de normas e valores (sociais,<br />

culturais) e, portanto, da Moral e do Direito, já ensinava o seguinte:<br />

«Fizemos questão de explicitar as premissas em que assentamos o nosso ponto de vista, como pede<br />

lealdade. Partimos de que, a considerar os factos como puros factos, no sentido do modo de pensar<br />

cientista, teremos que estabelecer uma radical distinção entre a ordem ôntica e a ordem deôntica.<br />

Partimos ainda de que as instituições sociais, enquanto elementos integradores daquela forma de vida<br />

que é a vida social- -humana, não podem ser compreendidas e definidas na sua especificidade<br />

senão através das ideias- -valor que as informam. Doutro modo, algo de específico é deixado de<br />

fora do conhecimento e a realida-de aparece deturpada.<br />

Façamos agora uma breve observação crítica <strong>ao</strong> ponto de vista oposto: o do cientismo empírico-<br />

-sociológico.<br />

Acerca <strong>deste</strong> ponto de vista poderemos dizer que ele escamoteia a questão fundamental e, por isso,<br />

prova demais. É que a explicação causalista das instituições tem a curiosa particularidade de nos não<br />

dar conta da origem do problema, do porquê da questão da validade — ou da questão da<br />

significação —, do porquê da existência e persistência teimosa de convicções de validade e de juízos<br />

de valor partilha-dos afinal por todos os homens, ou, em alternativa, da razão por que, de todos os<br />

bichos, só o homem sofre de alucinações ideológicas.<br />

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