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Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

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A tradição viva<br />

Quanto ao ferreiro tradicional, ele é o depositário do segredo <strong>da</strong>s<br />

transmutações. Por excelência, é o “Mestre do Fogo”. Sua origem é mítica, e, na<br />

tradição bambara, chamam -no de “Primeiro Filho <strong>da</strong> Terra”. Suas habili<strong>da</strong>des<br />

remontam a Maa, o primeiro homem, a quem o criador Maa Ngala ensinou,<br />

entre outros, os segredos <strong>da</strong> “forjadura”. Por isso a forja é chama<strong>da</strong> de Fan, o<br />

mesmo nome do Ovo primordial, de onde surgiu todo o universo e que foi a<br />

primeira forja sagra<strong>da</strong>.<br />

Os elementos <strong>da</strong> forja estão ligados a um simbolismo sexual, sendo esta a<br />

expressão, ou o reflexo, de um processo cósmico de criação. Desse modo, os<br />

dois foles redondos, acionados pelo assistente do ferreiro, são comparados aos<br />

testículos masculinos. O ar com que são enchidos é a substância <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> envia<strong>da</strong>,<br />

através de uma espécie de tubo, que representa o falo, para a fornalha <strong>da</strong> forja,<br />

que representa a matriz onde age o fogo transformador.<br />

O ferreiro tradicional só pode entrar na forja após um banho ritual de<br />

purificação preparado com o cozimento de certas folhas, cascas ou raízes de<br />

árvores, escolhi<strong>da</strong>s em função do dia. Com efeito, as plantas (como os minerais<br />

e os animais) dividem -se em sete classes, que correspondem aos dias <strong>da</strong> semana<br />

e estão liga<strong>da</strong>s pela lei de “correspondência analógica”. 10 Em segui<strong>da</strong>, o ferreiro<br />

se veste de modo especial, uma vez que não pode entrar na forja vestido com<br />

roupa comum.<br />

Todos os dias pela manhã, purifica a forja com defumações especiais feitas<br />

com plantas que ele conhece.<br />

Termina<strong>da</strong>s essas operações, lavado de todos os contatos com o exterior, o<br />

ferreiro encontra -se em estado sacramental. Voltou a ser puro e assemelha -se<br />

agora ao ferreiro primordial. Só então, à semelhança de Maa Ngala, pode ele<br />

“criar”, modificando e mol<strong>da</strong>ndo a matéria. (Em fulfulde, ferreiro traduz -se por<br />

baylo, palavra que literalmente significa “transformador”).<br />

Antes de começar o trabalho, invoca os quatro elementos -mãe <strong>da</strong> criação,<br />

(terra, água, ar e fogo), que estão obrigatoriamente representados na forja: existe<br />

sempre um receptáculo com água, o fogo <strong>da</strong> fornalha, o ar enviado pelos foles e<br />

um montículo de terra ao lado <strong>da</strong> forja.<br />

Durante o trabalho, o ferreiro pronuncia palavras especiais à medi<strong>da</strong> que vai<br />

tocando ca<strong>da</strong> ferramenta. Ao tomar a bigorna, que simboliza a receptivi<strong>da</strong>de<br />

feminina, diz: “Não sou Maa Ngala, mas o representante de Maa Ngala. Ele é<br />

10 A respeito <strong>da</strong> lei de correspondência analógica, v. HAMPATÉ BÂ, A. Aspects de la civilisation africaine,<br />

<strong>Pré</strong>sence africaine, Paris, 1972, p. 120 e segs.<br />

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