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Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

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A tradição viva<br />

to<strong>da</strong>s as narrativas, sem me preocupar com sua veraci<strong>da</strong>de ou com uma possível<br />

exageração. Em segui<strong>da</strong>, comparava as narrativas dos Macinanke com as dos<br />

Tukulor ou com as de outras etnias envolvi<strong>da</strong>s. Dessa maneira, sempre se pode<br />

encontrar, em qualquer região, etnias cujas narrativas permitam controlar as<br />

declarações dos principais interessados.<br />

Foi um trabalho de fôlego. A coleta de informações exigiu -me mais de 15<br />

anos de trabalho e de jorna<strong>da</strong>s que me levavam do Futa Djalon (Guiné) a Kano<br />

(Nigéria), a fim de retraçar as rotas que Sheikou Amadou e al -Hadjdj’Umar<br />

haviam percorrido em to<strong>da</strong>s as suas viagens. Desse modo, registrei as narrativas<br />

de pelo menos mil informantes. No final, mantive apenas os relatos concor<strong>da</strong>ntes,<br />

os que eram conformes tanto às tradições macinanke e tukulor, como também<br />

às <strong>da</strong>s demais etnias envolvi<strong>da</strong>s (cujas fontes citei no livro).<br />

Constatei que, no conjunto, meus mil informantes haviam respeitado a<br />

ver<strong>da</strong>de dos fatos. A trama <strong>da</strong> narrativa era sempre a mesma. As diferenças,<br />

que se encontravam apenas em detalhes sem importância, deviam -se à quali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> memória ou <strong>da</strong> verve peculiar do narrador. Dependendo do grupo étnico a<br />

que pertencia, podia tender a minimizar certos revezes ou a tentar encontrar<br />

alguma justificativa para eles, mas não mu<strong>da</strong>va os <strong>da</strong>dos básicos. Sob a influência<br />

do acompanhamento musical, o contador de histórias podia deixar -se levar pelo<br />

entusiasmo, mas a linha geral permanecia a mesma: os lugares, as batalhas, as<br />

vitórias e as derrotas, as conferências e diálogos mantidos, os propósitos dos<br />

personagens principiais, etc.<br />

Essa experiência provou -me que a tradição oral era perfeitamente váli<strong>da</strong> do<br />

ponto de vista científico. É possível comparar as versões de diferentes etnias,<br />

como fiz, a título de controle, mas a própria socie<strong>da</strong>de exerce um autocontrole<br />

permanente. Com efeito, nenhum narrador poderia permitir -se mu<strong>da</strong>r os fatos,<br />

pois à sua volta haveria sempre companheiros ou anciãos que imediatamente<br />

apontariam o erro, fazendo -lhe a séria acusação de mentiroso.<br />

O Professor Montet certa vez referiu -se a mim como tendo relatado, no<br />

Império Peul de Macina, narrativas que seu pai havia coletado 50 anos antes, <strong>da</strong>s<br />

quais nenhuma palavra tinha sido altera<strong>da</strong>. Isso dá uma ideia <strong>da</strong> fideli<strong>da</strong>de com<br />

que os <strong>da</strong>dos são preservados na tradição oral!<br />

Características <strong>da</strong> memória africana<br />

Entre todos os povos do mundo, constatou -se que os que não escreviam<br />

possuíam uma memória mais desenvolvi<strong>da</strong>.<br />

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