29.03.2013 Views

Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

14 <strong>Metodologia</strong> e pré -história <strong>da</strong> <strong>África</strong><br />

desses povos e de sua interação com duas outras raças africanas, a negra e a<br />

bosquímana…” 19 .<br />

Inferimos dessa afirmação que essas “duas outras raças africanas” são inferiores<br />

e que todo o progresso que tenham conseguido seria resultante <strong>da</strong> influência<br />

“camítica” que sofreram de forma mais ou menos intensa. Em outro trecho<br />

dessa mesma obra, ele fala <strong>da</strong> chega<strong>da</strong>, “vaga após vaga”, de pastores “camitas”<br />

que estavam “melhor armados e eram ao mesmo tempo mais inteligentes” que<br />

“os cultivadores negros atrasados” sobre os quais exerciam influência 20 . Mas, na<br />

reali<strong>da</strong>de, não há nenhuma prova histórica que sustente as afirmações de que<br />

“as civilizações <strong>da</strong> <strong>África</strong> são as civilizações dos camitas”, ou que os progressos<br />

históricos verificados na <strong>África</strong> subsaariana se devam apenas ou principalmente<br />

a eles. O próprio livro não apresenta nenhuma evidência histórica, e muitas<br />

<strong>da</strong>s hipóteses sobre as quais ele se apóia sabe -se agora não terem nenhum<br />

fun<strong>da</strong>mento. J. H. Greenberg, por exemplo, demonstrou de uma vez por to<strong>da</strong>s<br />

que os termos “camita” e “camítico” não têm nenhum sentido, a não ser, e na<br />

melhor <strong>da</strong>s hipóteses, como categorias <strong>da</strong> classificação linguística 21 .<br />

É certo que não existe, necessariamente, uma correlação entre a língua fala<strong>da</strong> por<br />

uma população e sua origem racial ou sua cultura. Assim, Greenberg pode citar, entre<br />

outros, este maravilhoso exemplo: “os cultivadores haussa, que falam uma língua<br />

‘camítica’, estão sob a dominação dos pastores fulani que falam (…) uma língua<br />

níger -congolesa” (isto é, uma língua negra) 22 . Ele refuta igualmente a base camítica<br />

que sustentava grande parte <strong>da</strong> reconstrução feita por Seligman <strong>da</strong> história cultural<br />

dos negros em outras partes <strong>da</strong> <strong>África</strong>, sobretudo <strong>da</strong>s populações de língua bantu.<br />

Escolhemos particularmente Seligman porque ele se situava entre as<br />

personali<strong>da</strong>des mais destaca<strong>da</strong>s de sua profissão na Grã -Bretanha (foi um dos<br />

primeiros a empreender sérias pesquisas de campo na <strong>África</strong>) e porque seu livro<br />

tornou -se, de certa forma, um modelo, várias vezes reeditado. Ain<strong>da</strong> em 1966<br />

ele era divulgado como “um clássico em seu gênero”. Mas essa adoção do mito<br />

<strong>da</strong> superiori<strong>da</strong>de dos povos de pele clara sobre os de pele escura era somente<br />

uma parte dos preconceitos correntes na Europa no fim do século XIX e no<br />

início do século XX. Os europeus acreditavam que sua pretensa superiori<strong>da</strong>de<br />

19 0p. cit., ed. de 1930, p. 96; ed. de 1966, p. 61.<br />

20 0p. cit., ed. de 1930, p. 158; ed. de 1966, p. 101.<br />

21 GREENBERG, J. H., 1953 e 1963. De fato, GREENBERG, como a maioria dos linguistas modernos,<br />

evita empregar o termo “camítico”; eles classificam as línguas outrora denomina<strong>da</strong>s camíticas, ao lado<br />

<strong>da</strong>s línguas semíticas e outras, num grupo mais amplo, o afro -asiático ou eritreu, e não reconhecem o<br />

subgrupo “camítico” de modo específico.<br />

22 GREENBERG, J. H., 1963, p. 30.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!