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Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

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A tradição viva<br />

A relação do homem tradicional com o mundo era, portanto, uma relação<br />

viva de participação e não uma relação de pura utilização. É compreensível que,<br />

nesta visão global do universo, o papel do profano seja mínimo.<br />

No antigo país Baúle, por exemplo, o ouro, que a terra oferecia em abundância,<br />

era considerado metal divino e não chegou a ser explorado exaustivamente.<br />

Empregavam -no sobretudo na confecção de objetos reais ou cultuais, mas<br />

igualmente o utilizavam como moe<strong>da</strong> de câmbio e objeto de presente. Sua<br />

extração era livre a todos, mas a ninguém era permiti<strong>da</strong> a apropriação de pepitas<br />

que ultrapassassem certo tamanho; to<strong>da</strong> pepita com peso superior ao padrão<br />

era devolvi<strong>da</strong> ao deus e se destinava a aumentar o “ouro real”, depósito sagrado<br />

do qual os próprios reis não tinham o direito de usufruir. Certos tesouros reais<br />

foram desta maneira transmitidos intactos até a ocupação europeia. A terra,<br />

acreditava -se, pertencia a Deus, e ao homem cabia o direito de “usufruir” dela,<br />

mas não o de possuí -la.<br />

Voltando ao artesão tradicional, ele é o exemplo perfeito de como o<br />

conhecimento pode se incorporar não somente aos gestos e ações, mas também<br />

à totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, uma vez que deve respeitar um conjunto de proibições<br />

e obrigações liga<strong>da</strong>s à sua ativi<strong>da</strong>de, que constitui um ver<strong>da</strong>deiro código de<br />

comportamento em relação à natureza e aos semelhantes.<br />

Existe, desse modo, o que se chama de “Costume dos ferreiros” (numusira<br />

ou numuya, em bambara), “Costume dos agricultores”, “Costume dos tecelões”,<br />

e assim por diante, e, no plano étnico, o que se chama de “Costume dos Peul”<br />

(Lawol fulfulde), ver<strong>da</strong>deiros códigos morais, sociais e jurídicos peculiares a ca<strong>da</strong><br />

grupo, transmitidos e observados fielmente pela tradição oral.<br />

Pode -se dizer que o ofício, ou a ativi<strong>da</strong>de tradicional, esculpe o ser do homem.<br />

To<strong>da</strong> a diferença entre a educação moderna e a tradição oral encontra -se aí.<br />

Aquilo que se aprende na escola ocidental, por mais útil que seja, nem sempre<br />

é vivido, enquanto o conhecimento her<strong>da</strong>do <strong>da</strong> tradição oral encarna -se na<br />

totali<strong>da</strong>de do ser. Os instrumentos ou as ferramentas de um ofício materializam<br />

as Palavras sagra<strong>da</strong>s; o contato do aprendiz com o ofício o obriga a viver a<br />

Palavra a ca<strong>da</strong> gesto.<br />

Por essa razão a tradição oral, toma<strong>da</strong> no seu todo, não se resume à transmissão<br />

de narrativas ou de determinados conhecimentos. Ela é geradora e formadora de<br />

um tipo particular de homem. Pode -se afirmar que existe a civilização dos ferreiros,<br />

a civilização dos tecelões, a civilização dos pastores, etc.<br />

Limitei -me aqui a examinar os exemplos particularmente típicos dos ferreiros<br />

e dos tecelões, mas, de um modo geral, to<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de tradicional constitui uma<br />

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