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Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

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A tradição viva<br />

Por essa razão o tradicionalista não consegue “resumir” senão dificilmente.<br />

Resumir uma cena equivale, para ele, a escamoteá -la. Ora, por tradição, ele não<br />

tem o direito de fazer isso. Todo detalhe possui sua importância para a ver<strong>da</strong>de<br />

do quadro. Ou narra o acontecimento em sua integri<strong>da</strong>de ou não o narra. Se lhe<br />

for solicitado resumir uma passagem ele responderá: “Se não tens tempo para<br />

ouvir -me, contarei um outro dia”.<br />

Do mesmo modo, o tradicionalista não tem receio de se repetir. Ninguém<br />

se cansa de ouvi -lo contar a mesma história, com as mesmas palavras, como<br />

talvez já tenha contado inúmeras vezes. A ca<strong>da</strong> vez, o filme inteiro se desenrola<br />

novamente. E o evento está lá, restituído. O passado se torna presente. A vi<strong>da</strong><br />

não se resume jamais. Pode -se, quando muito, reduzir uma história para as<br />

crianças, resumindo certas passagens, mas então não se a tomará por ver<strong>da</strong>de.<br />

Em se tratando de adultos, o fato deve ser narrado na íntegra ou calado.<br />

Esta peculiari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> memória africana tradicional liga<strong>da</strong> a um contexto de<br />

tradição oral é em si uma garantia de autentici<strong>da</strong>de.<br />

Quanto à memória dos tradicionalistas, em especial a dos tradicionalistas‑<br />

‑doma ou “Conhecedores”, que abrange vastas áreas do conhecimento tradicional,<br />

constitui uma ver<strong>da</strong>deira biblioteca onde os arquivos não estão “classificados”,<br />

mas totalmente inventariados.<br />

Tudo isso pode parecer caótico para um espírito moderno, mas para<br />

os tradicionalistas, se existe caos, é à maneira <strong>da</strong>s moléculas de água que se<br />

misturam no mar para formar um todo vivo. Nesse mar, eles se movimentam<br />

com a facili<strong>da</strong>de de um peixe.<br />

As fichas imateriais do catálogo <strong>da</strong> tradição oral são máximas, provérbios,<br />

contos, len<strong>da</strong>s, mitos, etc., que constituem quer um esboço a ser desenvolvido,<br />

quer um ponto de parti<strong>da</strong> para narrativas didáticas antigas ou improvisa<strong>da</strong>s.<br />

Os contos, por exemplo, e especialmente os de iniciação, possuem uma trama<br />

básica invariável, à qual, no entanto, o narrador pode acrescentar floreados,<br />

desenvolvimentos ou ensinamentos adequados à compreensão de seus ouvintes.<br />

O mesmo ocorre com os mitos, que são conhecimentos condensados em uma<br />

forma sintética que o iniciado pode sempre desenvolver ou aprofun<strong>da</strong>r para<br />

seus alunos.<br />

Convém considerar com atenção o conteúdo dos mitos e não “catalogá-<br />

-los” muito rapi<strong>da</strong>mente. Podem encobrir reali<strong>da</strong>des de ordens muito diversas e<br />

mesmo, por vezes, ser entendidos em vários níveis simultaneamente.<br />

Enquanto alguns mitos se referem a conhecimentos esotéricos e “ocultam” o<br />

conhecimento ao mesmo tempo que o transmitem através dos séculos, outros<br />

podem ter alguma relação com acontecimentos reais. Tomemos o exemplo de<br />

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