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Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

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<strong>História</strong> e linguística<br />

Os raros especialistas que se debruçaram, frequentemente com notável<br />

minúcia, sobre os sistemas de escrita originários <strong>da</strong> <strong>África</strong>, em geral não se<br />

interessaram pelo vínculo aparentemente óbvio e tecnicamente demonstrável<br />

entre os hieróglifos e as escritas mais conheci<strong>da</strong>s na <strong>África</strong> negra. O hieróglifo<br />

egípcio permaneceu fun<strong>da</strong>mentalmente pictográfico em sua função original<br />

de instrumento dos templos e, como seu homólogo <strong>da</strong>omeano, faz referência<br />

à imagem tanto quanto possível. Trata -se de uma escrita voluntariamente<br />

realista, preocupa<strong>da</strong> em materializar os seres, os objetos e as ideias, o que faz <strong>da</strong><br />

maneira mais concreta e substancial, em parte para restituir -lhes ou conservar<br />

suas quali<strong>da</strong>des naturais.<br />

Não é por acaso que a deformação <strong>da</strong> escrita pictográfica pelo uso do cursivo,<br />

que altera e desfigura os elementos representados, só é permiti<strong>da</strong> fora dos<br />

templos. A escrita hierática, usa<strong>da</strong> sobretudo com finali<strong>da</strong>des laicas (ao contrário<br />

do que sugere a etimologia grega <strong>da</strong> palavra), e o demótico “popular”, ain<strong>da</strong> mais<br />

simplificado em seu traçado, são as grafias não -sagra<strong>da</strong>s e utilitárias. No espírito<br />

do sacerdote egípcio, o hieróglifo encerra “um poder mágico de evocação”, como<br />

tão bem demonstra M. Cohen. Em sua opinião, isso explica o fato de “que<br />

as representações de seres nefastos são evita<strong>da</strong>s ou mutila<strong>da</strong>s”. Aqui, estamos<br />

diante de uma concepção ontológica que se enraíza e mergulha profun<strong>da</strong>mente<br />

na tradição negro -africana. Por milhares de anos, essa tradição não foi capaz de<br />

dessacralizar – como o fizeram os indo -europeus, particularmente os gregos – o<br />

pensamento e seus suportes orais e gráficos. Os Bambara, os Ioruba, os Nsibidi<br />

e os sacerdotes dogon têm uma visão idêntica dos sistemas gráficos que utilizam<br />

em seus templos ou em suas sessões de adivinhação.<br />

A uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s grafias inventa<strong>da</strong>s na <strong>África</strong> não reside apenas nos pressupostos<br />

ideológicos que conferem a esses sistemas suas funções e sua natureza, mas<br />

também na própria técnica de transcrição. Encontra -se, na história <strong>da</strong>s<br />

escritas africanas, uma referência constante a três técnicas de fixação gráfica<br />

do pensamento: o recurso à imagem do ser ou do objeto, copia<strong>da</strong> através de<br />

pictogramas; o recurso ao símbolo para representar uma reali<strong>da</strong>de através de<br />

ideogramas, que são signos sem relação imediata de semelhança física com a<br />

noção que simbolizam; finalmente, o uso do fonograma para representar todos<br />

os homófonos, ou seja, to<strong>da</strong>s as reali<strong>da</strong>des designa<strong>da</strong>s pelo mesmo som ou grupo<br />

de sons; é o princípio <strong>da</strong> escrita pictofonográfica.<br />

A comparação entre a Palette de Narmer e as Récades de Glélé ou de<br />

Dakodonu é reveladora. Elas transcrevem o discurso segundo os mesmos<br />

princípios. Na Palette de Narmer, temos a imagem de um rei. Ele segura pelos<br />

cabelos um inimigo vencido e o golpeia, enquanto o exército derrotado foge, sob<br />

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