29.03.2013 Views

Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

Metodologia e Pré-História da África - unesdoc - Unesco

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Lugar <strong>da</strong> história na socie<strong>da</strong>de africana<br />

culto, está diretamente ligado ao presente, constituindo -se os ancestrais agentes<br />

diretos e privilegiados dos negócios que ocorrem séculos depois deles. Da mesma<br />

forma, na corte de numerosos reis, funcionários intérpretes de sonhos exerciam<br />

um peso considerável sobre a ação política projeta<strong>da</strong>. Esses exegetas do sonho<br />

eram, em suma, ministros do futuro. Cita -se o caso do rei ruandês Mazimpaka<br />

Yuhi III (fim do século XVII) que viu em sonho homens de tez clara vindos do<br />

leste. Armou -se então de arcos e flechas mas, antes de lançar as flechas contra<br />

eles, guarneceu -as com bananas maduras. A interpretação desta atitude ambígua,<br />

ao mesmo tempo agressiva e acolhedora, introduziu uma imagem privilegia<strong>da</strong><br />

na consciência coletiva dos ruandeses e talvez contribua para explicar a atitude<br />

pouco combativa desse povo, tradicionalmente aguerrido, face às colunas alemãs<br />

do século XIX, semelhantes aos pálidos rostos avistados durante o sonho real<br />

dois séculos antes. Nesse tempo “suspenso”, a ação do presente é possível mesmo<br />

sobre o que é considerado passado mas que permanece, de fato, contemporâneo.<br />

O sangue dos sacrifícios de hoje reconforta os ancestrais de ontem. E até agora,<br />

os africanos ain<strong>da</strong> exortam seus próximos a não negligenciarem as oferen<strong>da</strong>s<br />

em nome dos parentes falecidos, pois os que na<strong>da</strong> recebem constituem a classe<br />

pobre desse mundo paralelo dos mortos e são obrigados a viver do auxílio dos<br />

privilegiados, que são objeto de generosos “sacrifícios” feitos em seu nome.<br />

De uma forma ain<strong>da</strong> mais profun<strong>da</strong>, certas cosmogonias atribuem a um<br />

tempo mítico os progressos obtidos num tempo histórico, que não sendo<br />

recebido como tal por ca<strong>da</strong> indivíduo, é substituído pela memória histórica do<br />

grupo. E o caso <strong>da</strong> len<strong>da</strong> Gikuyu que explica o advento <strong>da</strong> técnica de fundição<br />

do ferro. Mogai (Deus) havia distribuído os animais entre os homens e as<br />

mulheres. Mas estas foram tão cruéis com seus animais que eles escaparam e<br />

tornaram -se selvagens. Os homens então intercederam junto a Mogai em favor<br />

de suas mulheres, dizendo: “Em tua honra, nós queremos sacrificar um carneiro;<br />

mas não pretendemos fazê -lo com uma faca de madeira, para não incorrer nos<br />

mesmos riscos que nossas mulheres”. Mogai felicitou -os por sua sabedoria e,<br />

para dotá -los de armas mais eficazes, ensinou -lhes a receita <strong>da</strong> fundição do ferro.<br />

Essa concepção mítica e coletiva era tal que o tempo tornava -se um atributo<br />

<strong>da</strong> soberania dos líderes. O rei Shilluk era o depositário mortal de um poder<br />

imortal, já que totalizava em si próprio o tempo mítico (encarnando o herói<br />

fun<strong>da</strong>dor) e o tempo social considerado como fonte <strong>da</strong> vitali<strong>da</strong>de do grupo.<br />

Do mesmo modo, entre os Bafulero (Zaire oriental), os Bunyoro (Ugan<strong>da</strong>) e os<br />

Mossi (Alto Volta), o chefe é o sustentáculo do tempo coletivo: “O Mwami está<br />

presente: o povo vive. O Mwami está ausente: o povo morre”. A morte do rei<br />

constitui uma ruptura do tempo que paralisa as ativi<strong>da</strong>des, a ordem social, to<strong>da</strong><br />

25

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!