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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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formalmente indicado suas razões, até porque estas po<strong>de</strong>rão estar registradas em assentamento administrativo diverso do ato,<br />

acessível a qualquer interessado. Exemplo esclarecedor, no que toca à previsão legal da motivação, foi dado pela Lei nº 9.784, <strong>de</strong><br />

29.1.1999, reguladora do processo administrativo na esfera fe<strong>de</strong>ral. Segundo o art. 50 <strong>de</strong>ssa lei, exigem motivação, com<br />

indicação <strong>dos</strong> fatos e <strong>dos</strong> fundamentos, vários tipos <strong>de</strong> atos administrativos, como os que negam, limitam ou afetam direitos ou<br />

interesses; impõem ou agravam <strong>de</strong>veres, encargos ou sanções; <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m processos administrativos <strong>de</strong> concurso ou seleção<br />

pública; <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m recursos administrativos etc. Ora, ao indicar os atos a serem expressamente motiva<strong>dos</strong>, o legislador consi<strong>de</strong>rou,<br />

implicitamente, que outros atos prescin<strong>de</strong>m da motivação. 53 Conclui-se do sistema da lei que, se os atos nela menciona<strong>dos</strong><br />

estiverem sem fundamentação, serão inváli<strong>dos</strong>, mas o serão por in<strong>de</strong>vida contrarieda<strong>de</strong> à <strong>de</strong>terminação legal; <strong>de</strong> outro lado, os<br />

que lá não constam não po<strong>de</strong>rão ser ti<strong>dos</strong> por inváli<strong>dos</strong> pelo só fato da ausência da fundamentação expressa. Po<strong>de</strong>rão sê-lo por<br />

outras razões, mas não por essa. Só isso <strong>de</strong>monstra que não se po<strong>de</strong> mesmo consi<strong>de</strong>rar a motivação como indiscriminadamente<br />

obrigatória para toda e qualquer manifestação volitiva da Administração.<br />

Invocam alguns, em prol da tese da obrigatorieda<strong>de</strong>, o art. 93, X, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, segundo o qual “as <strong>de</strong>cisões<br />

administrativas <strong>dos</strong> tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria<br />

absoluta <strong>de</strong> seus membros” (redação da EC nº 45/2004). Enten<strong>de</strong>mos, com a <strong>de</strong>vida vênia, que tal fundamento não proce<strong>de</strong>. E<br />

por mais <strong>de</strong> uma razão. Em primeiro lugar, muitas dúvidas pairam sobre a interpretação da expressão “<strong>de</strong>cisões<br />

administrativas”. Na verda<strong>de</strong>, tanto po<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r-se que se trata <strong>de</strong> sinônimo <strong>de</strong> “atos administrativos”, como se po<strong>de</strong><br />

interpretar no sentido <strong>de</strong> que se cuida <strong>de</strong> atos administrativos <strong>de</strong>cisórios, proferi<strong>dos</strong> em processos administrativos em que haja<br />

conflito <strong>de</strong> interesses. Esta última, aliás, parece ser a melhor interpretação. Sendo assim, a obrigatorieda<strong>de</strong> somente alcançaria<br />

esse tipo <strong>de</strong> atos <strong>de</strong>cisórios, mas não aqueles outros, da rotina administrativa, que não tivessem essa fisionomia.<br />

Há, ainda, outro aspecto. O termo “motivadas”, constante do texto constitucional, também po<strong>de</strong> admitir mais <strong>de</strong> um<br />

sentido, ou seja, tanto po<strong>de</strong> significar que as <strong>de</strong>cisões administrativas <strong>de</strong>vam ter motivação, como po<strong>de</strong> indicar que <strong>de</strong>vam ter<br />

motivo. Se este último for o sentido, nenhuma novida<strong>de</strong> terá o Constituinte acrescentado à clássica doutrina, que consi<strong>de</strong>ra o<br />

motivo como elemento, ou, para outros, requisito <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> atos administrativos.<br />

Por fim, é importante <strong>de</strong>stacar que o art. 93, X, se situa no capítulo constitucional <strong>de</strong>stinado ao Po<strong>de</strong>r Judiciário. Assim,<br />

mesmo que se entenda que o texto exige <strong>de</strong> fato a motivação, a exigência envolveria apenas os atos do Po<strong>de</strong>r Judiciário, sem<br />

alcançar, por conseguinte, os pratica<strong>dos</strong> no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />

Insistimos em afirmação que já fizemos: não consi<strong>de</strong>ramos <strong>de</strong> relevo distinguir entre atos vincula<strong>dos</strong> ou discricionários.<br />

Parece-nos, até mesmo, que se alguma <strong>de</strong>ssas categorias po<strong>de</strong> dispensar a motivação, seria ela exatamente a <strong>dos</strong> atos vincula<strong>dos</strong>,<br />

porque nestes a situação <strong>de</strong> fato já tem <strong>de</strong>scrição na norma, <strong>de</strong> modo que a valida<strong>de</strong> ou não do ato <strong>de</strong>correria <strong>de</strong> mero confronto<br />

entre este e aquela. O mesmo não se passaria com os atos discricionários. Tendo o agente nessa hipótese a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> eleger a<br />

situação fática geradora <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong>, maior segurança se proporcionaria aos administra<strong>dos</strong> se fosse ela <strong>de</strong>scrita expressamente<br />

no ato. Entretanto, mesmo aqui, inexistindo norma constitucional expressa, não se po<strong>de</strong> extrair a interpretação no sentido da<br />

obrigatorieda<strong>de</strong>. 54<br />

Sem dúvida nenhuma, é preciso reconhecer que o administrador, sempre que possa, <strong>de</strong>ve mesmo expressar as situações <strong>de</strong><br />

fato que impeliram a emissão da vonta<strong>de</strong>, e a razão não é difícil <strong>de</strong> conceber: quanto mais transparente o ato da Administração,<br />

maiores as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seu controle pelos administra<strong>dos</strong>. Não obstante, se essa conduta é aconselhável, e se os<br />

administradores <strong>de</strong>vem segui-la, não se po<strong>de</strong> ir ao extremo <strong>de</strong> tê-la por obrigatória.<br />

Na verda<strong>de</strong>, há inúmeros atos oriun<strong>dos</strong> da prática administrativa que, embora tenham motivo, não têm motivação. Sirvam<br />

como exemplo atos que <strong>de</strong>negam pedi<strong>dos</strong> <strong>de</strong> autorização ou <strong>de</strong> permissão (que geram atuação discricionária), ou os atos<br />

funcionais, como nomeação, exoneração <strong>de</strong> cargos em comissão etc. No bojo do ato não constam as razões do Administrador,<br />

mas no processo administrativo estarão presentes na condição <strong>de</strong> motivo. Daí ser possível distinguir duas formas <strong>de</strong><br />

exteriorização do motivo: uma <strong>de</strong>las referida no próprio ato, como é o caso <strong>de</strong> atos que contêm inicialmente as justificativas<br />

iniciadas por “consi<strong>de</strong>rando” (motivo contextual); outra forma é a que se aloja fora do ato (motivo aliun<strong>de</strong> ou per relationem),<br />

como é a hipótese <strong>de</strong> justificativas constantes <strong>de</strong> processos administrativos ou mesmo em pareceres prévios que serviram <strong>de</strong> base<br />

para o ato <strong>de</strong>cisório. 55<br />

Por outro lado, não é lícito ao administrador adotar, à guisa <strong>de</strong> motivo do ato, fundamentos genéricos e in<strong>de</strong>fini<strong>dos</strong>, como,<br />

por exemplo, “interesse público”, “critério administrativo”, e outros do gênero. Semelhantes justificativas <strong>de</strong>monstram<br />

usualmente o intuito <strong>de</strong> escamotear as verda<strong>de</strong>iras razões do ato, com o objetivo <strong>de</strong> eximi-lo do controle <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> pela<br />

Administração ou pela via judicial. A dissimulação <strong>dos</strong> fundamentos não é o mesmo que praticar o ato por razões <strong>de</strong><br />

conveniência e oportunida<strong>de</strong>, fatores próprios <strong>dos</strong> atos discricionários. Em casos como aquele, portanto, o ato sujeita-se à<br />

invalidação por vício no motivo, restaurando-se, em consequência, a legalida<strong>de</strong> ofendida pela manifestação volitiva do<br />

administrador. A jurisprudência, acertadamente, tem en<strong>dos</strong>sado essa providência. 56

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