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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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Por meio da prerrogativa da autotutela, como já vimos anteriormente, é possível que a Administração reveja seus próprios<br />

atos, po<strong>de</strong>ndo a revisão ser ampla, para alcançar aspectos <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> mérito. 174 Trata-se, com efeito, <strong>de</strong> princípio<br />

administrativo, inerente ao po<strong>de</strong>r-<strong>de</strong>ver geral <strong>de</strong> vigilância que a Administração <strong>de</strong>ve exercer sobre os atos que pratica e sobre os<br />

bens confia<strong>dos</strong> à sua guarda. Decorre daí que “falha a Administração quando, compelida a exercer a autotutela, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

exercê-la”. 175<br />

A autotutela se caracteriza pela iniciativa <strong>de</strong> ação atribuída aos próprios órgãos administrativos. Em outras palavras,<br />

significa que, se for necessário rever <strong>de</strong>terminado ato ou conduta, a Administração po<strong>de</strong>rá fazê-lo ex officio, usando sua<br />

autoexecutorieda<strong>de</strong>, sem que <strong>de</strong>penda necessariamente <strong>de</strong> que alguém o solicite. Tratando-se <strong>de</strong> ato com vício <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>, o<br />

administrador toma a iniciativa <strong>de</strong> anulá-lo; caso seja necessário rever ato ou conduta váli<strong>dos</strong>, porém não mais convenientes ou<br />

oportunos quanto a sua subsistência, a Administração provi<strong>de</strong>ncia a revogação. Essa sempre foi a clássica doutrina sobre o tema.<br />

Mo<strong>de</strong>rnamente, no entanto, tem prosperado o pensamento <strong>de</strong> que, em certas circunstâncias, não po<strong>de</strong> ser exercida a<br />

autotutela <strong>de</strong> ofício em toda a sua plenitu<strong>de</strong>. A orientação que se vai expandindo encontra inspiração nos mo<strong>de</strong>rnos instrumentos<br />

<strong>de</strong>mocráticos e na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afastamento <strong>de</strong> algumas condutas autoritárias e ilegais <strong>de</strong> que se valeram, durante <strong>de</strong>terminado<br />

período, os órgãos administrativos. Trata-se, no que concerne ao po<strong>de</strong>r administrativo, <strong>de</strong> “severa restrição ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

autotutela <strong>de</strong> seus atos, <strong>de</strong> que <strong>de</strong>sfruta a Administração Pública”. 176<br />

Adota-se tal orientação, por exemplo, em alguns casos <strong>de</strong> anulação <strong>de</strong> atos administrativos, quando estiverem em jogo<br />

interesses <strong>de</strong> pessoas, contrários ao <strong>de</strong>sfazimento do ato. Para permitir melhor avaliação da conduta administrativa a ser adotada,<br />

tem-se exigido que se confira aos interessa<strong>dos</strong> o direito ao contraditório, outorgando-se-lhes o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> oferecerem as alegações<br />

necessárias a fundamentar seu interesse e sua pretensão, no caso o interesse à manutenção do ato. Na verda<strong>de</strong>, como bem acentua<br />

ADILSON DALLARI, “não se aniquila essa prerrogativa; apenas se condiciona a valida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>sconstituição <strong>de</strong> ato<br />

anteriormente praticado à justificação cabal da legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa mudança <strong>de</strong> entendimento, arcando a Administração Pública<br />

com o ônus da prova”. 177<br />

O STF já teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir que, quando forem afeta<strong>dos</strong> interesses individuais, “a anulação não prescin<strong>de</strong> da<br />

observância do contraditório, ou seja, da instauração <strong>de</strong> processo administrativo que enseja a audição daqueles que terão<br />

modificada situação já alcançada”. 178 Observa-se <strong>dos</strong> dizeres do aresto ter sido consi<strong>de</strong>rada in<strong>de</strong>vida a anulação <strong>de</strong> ato<br />

administrativo por falta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> conferida aos interessa<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> contraditar e rechaçar os motivos que justificaram a<br />

conduta invalidatória. Desconsi<strong>de</strong>rada foi, então, a autotutela ex officio da Administração. 179<br />

Essa irreversível tendência <strong>de</strong>nota o propósito <strong>de</strong> impedir <strong>de</strong>cisões imediatas e abusivas da Administração, sem que o<br />

interessado sequer tenha oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se e rechaçar as razões administrativas. Por esse motivo, já se propôs, no<br />

próprio STF, a complementação <strong>de</strong> sua Súmula 473, <strong>de</strong> modo a mencionar, in fine, a ressalva “garanti<strong>dos</strong>, em to<strong>dos</strong> os casos, o<br />

<strong>de</strong>vido processo legal administrativo e a apreciação judicial”. 180 Realmente, a consolidação do princípio do <strong>de</strong>vido processo<br />

legal provocou a mitigação da Súmula 473 do STF, que atualmente já não mais tem caráter absoluto. 181<br />

O direito positivo já apresenta, a seu turno, hipótese <strong>de</strong> exigência <strong>de</strong> contraditório antes do <strong>de</strong>sfazimento <strong>de</strong> atos. Exemplo<br />

elucidativo se encontra na Lei nº 8.666/1993, que estabelece a exigência do contraditório antes do ato administrativo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sfazimento do processo <strong>de</strong> licitação. 182 Inspira o dispositivo a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação <strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong> na manutenção<br />

da licitação e o exame das razões que conduzem a Administração a perpetrar o <strong>de</strong>sfazimento.<br />

É preciso, por fim, advertir que nenhuma hipótese <strong>de</strong>ve ser objeto <strong>de</strong> generalização indiscriminada. O exercício da<br />

autotutela administrativa ex officio, quer <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>, quer <strong>de</strong> mérito, é o corolário regular e natural <strong>dos</strong> po<strong>de</strong>res da<br />

Administração, <strong>de</strong> modo que, a princípio, po<strong>de</strong>rão ser anula<strong>dos</strong> e revoga<strong>dos</strong> atos por iniciativa do Po<strong>de</strong>r Público. Por isso não se<br />

<strong>de</strong>ve simplesmente consi<strong>de</strong>rar <strong>de</strong>scartado o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> autoexecutorieda<strong>de</strong> administativa. Em casos especiais, porém, como os<br />

vistos acima, <strong>de</strong>verão ser observa<strong>dos</strong> o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa antes <strong>de</strong> tomada a <strong>de</strong>cisão administrativa. Tais casos, no<br />

entanto, <strong>de</strong>vem ser vistos <strong>de</strong>ntro do ângulo <strong>de</strong> excepcionalida<strong>de</strong>.<br />

Acertada, portanto, a <strong>de</strong>cisão que estatuiu: “O contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa, garantias proclamadas no art. 5º, LV, da CF,<br />

<strong>de</strong>vem ser observa<strong>dos</strong>, não há dúvida, como regra geral, mas não absoluta, sob pena <strong>de</strong> ficar <strong>de</strong>samparado em muitos casos o<br />

interesse público, quando, então, impõe-se a prevalência da autoexecutorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que gozam os atos administrativos,<br />

relegando-se para fase posterior o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa”. 183<br />

6.<br />

EFEITOS<br />

A invalidação opera ex tunc, vale dizer, “fulmina o que já ocorreu, no sentido <strong>de</strong> que se negam hoje os efeitos <strong>de</strong> ontem”. 184<br />

É conhecido o princípio segundo o qual os atos nulos não se convalidam nem pelo <strong>de</strong>curso do tempo. Sendo assim, a <strong>de</strong>cretação<br />

da invalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ato administrativo vai alcançar o momento mesmo <strong>de</strong> sua edição.<br />

Isso significa o <strong>de</strong>sfazimento <strong>de</strong> todas as relações jurídicas que se originaram do ato inválido, com o que as partes que nelas

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