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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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REGULAMENTAÇÃO TÉCNICA – De acordo com o sistema clássico da separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, não po<strong>de</strong> o legislador,<br />

fora <strong>dos</strong> casos expressos na Constituição, <strong>de</strong>legar integralmente seu po<strong>de</strong>r legiferante aos órgãos administrativos. Significa dizer<br />

que o po<strong>de</strong>r regulamentar legítimo não po<strong>de</strong> simular o exercício da função <strong>de</strong> legislar <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> in<strong>de</strong>vida <strong>de</strong>legação oriunda<br />

do Po<strong>de</strong>r Legislativo, <strong>de</strong>legação essa que seria, na verda<strong>de</strong>, inaceitável renúncia à função que a Constituição lhe reservou.<br />

Mo<strong>de</strong>rnamente, contudo, em virtu<strong>de</strong> da crescente complexida<strong>de</strong> das ativida<strong>de</strong>s técnicas da Administração, passou a aceitarse<br />

nos sistemas normativos, originariamente na França, o fenômeno da <strong>de</strong>slegalização, pelo qual a competência para regular<br />

certas matérias se transfere da lei (ou ato análogo) para outras fontes normativas por autorização do próprio legislador: a<br />

normatização sai do domínio da lei (domaine <strong>de</strong> la loi) para o domínio <strong>de</strong> ato regulamentar (domaine <strong>de</strong> l’ordonnance). 46 O<br />

fundamento não é difícil <strong>de</strong> conceber: incapaz <strong>de</strong> criar a regulamentação sobre algumas matérias <strong>de</strong> alta complexida<strong>de</strong> técnica, o<br />

próprio Legislativo <strong>de</strong>lega ao órgão ou à pessoa administrativa a função específica <strong>de</strong> instituí-la, valendo-se <strong>dos</strong> especialistas e<br />

técnicos que melhor po<strong>de</strong>m dispor sobre tais assuntos.<br />

Não obstante, é importante ressaltar que referida <strong>de</strong>legação não é completa e integral. Ao contrário, sujeita-se a limites. Ao<br />

exercê-la, o legislador reserva para si a competência para o regramento básico, calcado nos critérios políticos e administrativos,<br />

transferindo tão somente a competência para a regulamentação técnica mediante parâmetros previamente enuncia<strong>dos</strong> na lei. É o<br />

que no <strong>Direito</strong> americano se <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong>legação com parâmetros (<strong>de</strong>legation with standards). Daí po<strong>de</strong>r afirmar-se que a<br />

<strong>de</strong>legação só po<strong>de</strong> conter a discricionarieda<strong>de</strong> técnica.<br />

Trata-se <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo atual do exercício do po<strong>de</strong>r regulamentar, cuja característica básica não é simplesmente a <strong>de</strong><br />

complementar a lei através <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> conteúdo organizacional, mas sim <strong>de</strong> criar normas técnicas não contidas na lei,<br />

proporcionando, em consequência, inovação no or<strong>de</strong>namento jurídico. Por esse motivo, há estudiosos que o <strong>de</strong>nominam <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

regulador para distingui-lo do po<strong>de</strong>r regulamentar tradicional. 47<br />

Exemplos <strong>de</strong>ssa forma especial do po<strong>de</strong>r regulamentar têm sido encontra<strong>dos</strong> na instituição <strong>de</strong> algumas agências<br />

reguladoras, entida<strong>de</strong>s autárquicas às quais o legislador tem <strong>de</strong>legado a função <strong>de</strong> criar as normas técnicas relativas a seus<br />

objetivos institucionais. É o caso da Agência Nacional <strong>de</strong> Energia Elétrica – ANEEL e da Agência Nacional <strong>de</strong><br />

Telecomunicações – ANATEL, em cuja competência se insere a produção <strong>de</strong> normas técnicas para os setores <strong>de</strong> energia elétrica<br />

e telecomunicações, objeto <strong>de</strong> sua atuação controladora. 48<br />

LEI E PODER REGULAMENTAR – O po<strong>de</strong>r regulamentar é subjacente à lei e pressupõe a existência <strong>de</strong>sta. É com esse<br />

enfoque que a Constituição autorizou o Chefe do Executivo a expedir <strong>de</strong>cretos e regulamentos: viabilizar a efetiva execução das<br />

leis (art. 84, IV).<br />

Por essa razão, ao po<strong>de</strong>r regulamentar não cabe contrariar a lei (contra legem), pena <strong>de</strong> sofrer invalidação. Seu exercício<br />

somente po<strong>de</strong> dar-se secundum legem, ou seja, em conformida<strong>de</strong> com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser. 49 Decorre<br />

daí que não po<strong>de</strong>m os atos formalizadores criar direitos e obrigações, porque tal é vedado num <strong>dos</strong> postula<strong>dos</strong> fundamentais que<br />

norteiam nosso sistema jurídico: “ninguém será obrigado a fazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer alguma coisa senão em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei” (art.<br />

5º, II, CF).<br />

É legítima, porém, a fixação <strong>de</strong> obrigações subsidiárias (ou <strong>de</strong>rivadas) – diversas das obrigações primárias (ou originárias)<br />

contidas na lei – nas quais também se encontra imposição <strong>de</strong> certa conduta dirigida ao administrado. Constitui, no entanto,<br />

requisito <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais obrigações sua necessária a<strong>de</strong>quação às obrigações legais. Inobservado esse requisito, são inválidas<br />

as normas que as preveem e, em consequência, as próprias obrigações. Se, por exemplo, a lei conce<strong>de</strong> algum benefício mediante<br />

a comprovação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado fato jurídico, po<strong>de</strong> o ato regulamentar indicar quais documentos o interessado estará obrigado a<br />

apresentar. Essa obrigação probatória é <strong>de</strong>rivada e legítima por estar amparada na lei. O que é vedado e claramente ilegal é a<br />

exigência <strong>de</strong> obrigações <strong>de</strong>rivadas impertinentes ou <strong>de</strong>snecessárias em relação à obrigação legal; nesse caso, haveria vulneração<br />

direta ao princípio da proporcionalida<strong>de</strong> e ofensa indireta ao princípio da reserva legal, previsto, como vimos, no art. 5º, II, da<br />

CF. 50 Por via <strong>de</strong> consequência, não po<strong>de</strong>m consi<strong>de</strong>rar-se legítimos os atos <strong>de</strong> mera regulamentação, seja qual for o nível da<br />

autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se tenham originado, que, a pretexto <strong>de</strong> estabelecerem normas <strong>de</strong> complementação da lei, criam direitos e<br />

impõem obrigações aos indivíduos. Haverá, nessa hipótese, in<strong>de</strong>vida interferência <strong>de</strong> agentes administrativos no âmbito da<br />

função legislativa, com flagrante ofensa ao princípio da separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res insculpido no art. 2º da CF. 51 Por isso, <strong>de</strong> inegável<br />

acerto a afirmação <strong>de</strong> que só por lei se regula liberda<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong>; só por lei se impõem obrigações <strong>de</strong> fazer ou não fazer, e<br />

só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo po<strong>de</strong> expedir <strong>de</strong>cretos e regulamentos, <strong>de</strong> modo que são inconstitucionais<br />

regulamentos produzi<strong>dos</strong> em forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>legações disfarçadas oriundas <strong>de</strong> leis que meramente transferem ao Executivo a função<br />

<strong>de</strong> disciplinar o exercício da liberda<strong>de</strong> e da proprieda<strong>de</strong> das pessoas. 52<br />

CONTROLE DOS ATOS DE REGULAMENTAÇÃO – Visando a coibir a in<strong>de</strong>vida extensão do po<strong>de</strong>r regulamentar,<br />

dispôs o art. 49, V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ser da competência exclusiva do Congresso Nacional “sustar os atos normativos do

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