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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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10.<br />

MUTABILIDADE<br />

A doutrina, em gran<strong>de</strong> parte, reconhece nos contratos <strong>de</strong> concessão a existência <strong>de</strong> cláusulas regulamentares e <strong>de</strong> cláusulas<br />

financeiras. Estas, como traduzem o preço do serviço, não po<strong>de</strong>m ser alteradas ao exclusivo arbítrio da Administração.<br />

Com as cláusulas regulamentares, porém, suce<strong>de</strong> o contrário. Ao ser <strong>de</strong>legado o serviço, fica “o concessionário em uma<br />

situação jurídica regulamentar ou estatutária, cujo conteúdo está nas normas legais e regulamentares que disciplinam o serviço<br />

concedido”, como bem assinala SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA. 31 Assiste razão ao autor. Na verda<strong>de</strong>, a concessão sofre o<br />

influxo <strong>de</strong> uma disciplina <strong>de</strong> caráter geral, normativa, organizacional, que po<strong>de</strong> ser modificada por critérios administrativos.<br />

Daí o preciso ensinamento <strong>de</strong> CAIO TÁCITO, <strong>de</strong> que a mutabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses contratos “consiste em reconhecer a<br />

supremacia da Administração, quanto à faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> inovar, unilateralmente, as normas <strong>de</strong> serviço, adaptando as estipulações<br />

contratuais às novas necessida<strong>de</strong>s e conveniências públicas”. 32<br />

Claro que o ius variandi a que se sujeitam as concessões po<strong>de</strong> ocasionar encargos para o concessionário. Se tal ocorrer, este<br />

faz jus ao reacerto das tarifas ou à recomposição patrimonial, mas o que não po<strong>de</strong> é opor-se a eventuais alterações no modus<br />

operandi do contrato, já que inseridas no âmbito discricionário da Administração.<br />

Deve consignar-se, todavia, que a mutabilida<strong>de</strong> que marca as concessões não tem caráter absoluto nem no que tange às<br />

cláusulas <strong>de</strong> serviço. Afinal, trata-se <strong>de</strong> um contrato e, como tal, há <strong>de</strong> estar presente um mínimo <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> na relação<br />

jurídica. Fora daí, po<strong>de</strong>rá vislumbrar-se abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Já se <strong>de</strong>cidiu, por exemplo, que é inconstitucional a lei estadual que<br />

conce<strong>de</strong> a trabalhadores <strong>de</strong>semprega<strong>dos</strong> isenção do pagamento <strong>dos</strong> serviços <strong>de</strong> fornecimento <strong>de</strong> luz e água, não somente porque<br />

interfere em relação concessional diversa (fe<strong>de</strong>ral e municipal), como também em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> inobservância às regras<br />

estabelecidas na licitação (art. 37, XXI, CF). 33 Entretanto, ainda que a concessão fosse estadual, o benefício, <strong>de</strong> notória <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />

social, haveria <strong>de</strong> ser compensado pelo conce<strong>de</strong>nte, evitando-se o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro que presi<strong>de</strong> o<br />

contrato e o consequente prejuízo para o concessionário.<br />

O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> alteração unilateral do contrato, em consequência, não po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> abusos por parte do conce<strong>de</strong>nte,<br />

como têm averbado os estudiosos do assunto. E nem po<strong>de</strong>ria ser diferente. Se, <strong>de</strong> um lado, esse po<strong>de</strong>r constitui exercício da<br />

soberania do Estado em prol do interesse público, <strong>de</strong> outro se torna impositivo que a Administração <strong>de</strong>monstre inequivocamente a<br />

existência <strong>de</strong> fatos justificadores do exercício da prerrogativa. Sem essa contraposição, é flagrante a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r. Está, portanto, inteiramente acertada a afirmação <strong>de</strong> que “o ius variandi não po<strong>de</strong> ser tomado como um po<strong>de</strong>r afeito a uma<br />

autonomia <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Público (que, <strong>de</strong> resto, inexiste). Trata-se <strong>de</strong> competência regulada e pautada por pressupostos<br />

certos, <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> pela lei sob um princípio <strong>de</strong> reserva legal”. 34<br />

Na verda<strong>de</strong>, a exigência <strong>de</strong> tal equilíbrio é que possibilita assegurar-se ao concessionário o direito ao pactuado na concessão<br />

e o respeito ao princípio da equação econômico-financeira do contrato. Significa dizer que, se se eleva o custo do serviço para o<br />

concessionário, cabe ao Estado a<strong>de</strong>quar o contrato à nova realida<strong>de</strong>. Somente assim po<strong>de</strong>rá alcançar-se a real observância ao<br />

princípio da equação econômico-financeira <strong>dos</strong> contratos administrativos. 35 Por tal motivo, aliás, já foi <strong>de</strong>clarada a<br />

inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei municipal que, sem fixar a <strong>de</strong>vida fonte <strong>de</strong> custeio e ausente qualquer cláusula contratual na<br />

concessão, instituiu vários casos <strong>de</strong> gratuida<strong>de</strong> no serviço público <strong>de</strong> transporte coletivo municipal, com evi<strong>de</strong>nte vulneração do<br />

equilíbrio econômico-financeiro do contrato. 36 Com o mesmo fundamento, foi <strong>de</strong>clarada constitucional a norma <strong>de</strong> Carta estadual<br />

que exigia a indicação da correspon<strong>de</strong>nte fonte <strong>de</strong> custeio no caso <strong>de</strong> gratuida<strong>de</strong> na prestação indireta <strong>de</strong> serviços públicos. 37<br />

A respeito, já se <strong>de</strong>cidiu, a nosso ver com absoluto acerto, que nem o advento <strong>de</strong> planos econômicos gerais, implanta<strong>dos</strong><br />

pelo governo por ato legislativo legítimo, po<strong>de</strong> romper o equilíbrio econômico-financeiro das concessões, garantido pela própria<br />

contextualização <strong>dos</strong> contratos. E isso principalmente quando o ajuste na concessão estabelece a correspondência entre o valor<br />

das tarifas e os fatores <strong>de</strong> custo do serviço concedido, cláusula consi<strong>de</strong>rada essencial na relação contratual. 38 Tal solução, como é<br />

fácil perceber, espelha o necessário respeito que o Estado <strong>de</strong>ve dispensar aos contratos que ele mesmo celebra, ao mesmo tempo<br />

em que assegura ao concessionário um mínimo <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> na relação concessional.<br />

11.<br />

POLÍTICA TARIFÁRIA<br />

Como remuneração pela execução do serviço, o Po<strong>de</strong>r Público fixa a tarifa a ser paga pelos usuários. Trata-se <strong>de</strong> preço<br />

público e, portanto, fica a sua fixação sob a competência do conce<strong>de</strong>nte.<br />

A Constituição em vigor, diversamente da anterior, limitou-se a dizer que a lei reguladora das concessões <strong>de</strong>verá disciplinar<br />

a política tarifária (art. 175, parágrafo único, III). A <strong>de</strong>speito da simplicida<strong>de</strong> da expressão, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer que<br />

o concessionário tem o direito subjetivo à fixação das tarifas em montante suficiente para ser <strong>de</strong>vidamente prestado o serviço.<br />

Esse entendimento emana da própria Constituição. Com efeito, se do concessionário é exigida a obrigação <strong>de</strong> manter serviço<br />

a<strong>de</strong>quado (art. 175, parágrafo único, IV, CF), não po<strong>de</strong> ser relegada a contrapartida da obrigação, ou seja, o direito <strong>de</strong> receber<br />

montante tarifário compatível com essa obrigação. Se, <strong>de</strong> um lado, não <strong>de</strong>vem as tarifas propiciar in<strong>de</strong>vido e <strong>de</strong>sproporcional

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