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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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enten<strong>de</strong>r. O fato administrativo tanto po<strong>de</strong> ocorrer mediante a prática <strong>de</strong> ato administrativo formal, como através <strong>de</strong> fato jurídico<br />

<strong>de</strong> diversa natureza. 35 Significa que, até mesmo tacitamente, é possível que <strong>de</strong>terminada conduta administrativa produza a<br />

afetação ou a <strong>de</strong>safetação, bastando, para tanto, verificar-se no caso o real intento da Administração. 36<br />

Suponha-se, para exemplificar, que um terreno sem utilização venha a ser aproveitado como área <strong>de</strong> plantio para órgão<br />

público <strong>de</strong> pesquisa: o bem, que era dominical, passará a ser <strong>de</strong> uso especial, havendo, portanto, afetação. Essa transformação <strong>de</strong><br />

finalida<strong>de</strong> certamente será processada através <strong>de</strong> ato administrativo. Suponha-se, contrariamente, que um incêndio <strong>de</strong>strua<br />

inteiramente <strong>de</strong>terminado prédio escolar: o bem que era <strong>de</strong> uso especial se transformou em bem dominical. Do momento em que<br />

esse imóvel não mais possa servir à finalida<strong>de</strong> pública inicial, po<strong>de</strong>mos dizer que terá havido <strong>de</strong>safetação, e sua causa não terá<br />

sido um ato, mas sim um fato jurídico – o incêndio. 37<br />

Por tudo isso é que enten<strong>de</strong>mos ser irrelevante a forma pela qual se processa a alteração da finalida<strong>de</strong> do bem quanto a seu<br />

fim público ou não. Relevante, isto sim, é a ocorrência em si da alteração da finalida<strong>de</strong>, significando que na afetação o bem<br />

passa a ter uma <strong>de</strong>stinação pública que não tinha, e que na <strong>de</strong>safetação se dá o fenômeno contrário, ou seja, o bem, que tinha a<br />

<strong>de</strong>stinação pública, passa a não mais tê-la, temporária ou <strong>de</strong>finitivamente.<br />

VI.<br />

Regime Jurídico<br />

1.<br />

ALIENABILIDADE CONDICIONADA<br />

É comum ouvir-se que os bens públicos têm como característica a inalienabilida<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong>, porém, a afirmação não<br />

resulta <strong>de</strong> análise precisa sobre o tema.<br />

Se é certo que, em algumas situações especiais, os bens públicos não po<strong>de</strong>m ser aliena<strong>dos</strong>, não é menos certo que, na<br />

maioria das vezes, po<strong>de</strong>m ser alteradas tais situações <strong>de</strong> modo a tornar possível a alienação.<br />

O Código Civil <strong>de</strong> 1916 dispunha que os bens somente per<strong>de</strong>riam a inalienabilida<strong>de</strong>, que lhes era peculiar, nos casos e<br />

forma que a lei estabelecesse (art. 67). A <strong>de</strong>speito da redação um pouco confusa do texto legal, entendia-se que o aspecto peculiar<br />

<strong>de</strong> inalienabilida<strong>de</strong> só atingiria os bens <strong>de</strong> uso comum do povo e os <strong>de</strong> uso especial, estes enquanto estivessem servindo aos<br />

respectivos fins. 38 Os bens dominicais, por via <strong>de</strong> consequência, seriam passíveis <strong>de</strong> alienação na forma da lei. Entretanto, os<br />

bens <strong>de</strong> uso especial e alguns <strong>de</strong> uso comum do povo, 39 ao serem objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>safetação, passam à categoria <strong>dos</strong> bens dominicais,<br />

como já observamos, o que também po<strong>de</strong>rá ensejar a sua alienação. Desse modo, já sob a égi<strong>de</strong> do Código anterior, seria<br />

impróprio falar-se em inalienabilida<strong>de</strong>; a melhor interpretação era a <strong>de</strong> que os bens teriam como característica a alienabilida<strong>de</strong><br />

condicionada, vale dizer, a alienação <strong>de</strong>veria ser efetivada em conformida<strong>de</strong> com o que a lei dispusesse. 40<br />

O novo Código Civil disciplinou a matéria com maior precisão e exatamente nos termos que <strong>de</strong>duzimos acima. No art. 100,<br />

dispõe o novo diploma: “Os bens públicos <strong>de</strong> uso comum do povo e os <strong>de</strong> uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a<br />

sua qualificação, na forma que a lei <strong>de</strong>terminar”. O art. 101, a seu turno, consigna: “Os bens públicos dominicais po<strong>de</strong>m ser<br />

aliena<strong>dos</strong>, observadas as exigências da lei”. Emana <strong>de</strong> tais preceitos que a regra é a alienabilida<strong>de</strong> na forma em que a lei<br />

dispuser a respeito, atribuindo-se a inalienabilida<strong>de</strong> somente nos casos do art. 100, e assim mesmo enquanto perdurar a situação<br />

específica que envolve os bens.<br />

Anote-se, à guisa <strong>de</strong> complementação, que alienação é um fato jurídico. Indica a transferência da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminado bem móvel ou imóvel <strong>de</strong> uma pessoa para outra. Portanto, quando se faz referência à alienação <strong>de</strong> bem público, a<br />

i<strong>de</strong>ia que se <strong>de</strong>seja transmitir é a <strong>de</strong> que a pessoa <strong>de</strong> direito público transfere para terceiros bem móvel ou imóvel <strong>de</strong> sua<br />

proprieda<strong>de</strong>. Diverso do fato jurídico em si são os instrumentos idôneos à sua consumação. Há diversos instrumentos <strong>de</strong><br />

alienação <strong>de</strong> bens, normalmente <strong>de</strong> caráter contratual. Assim, po<strong>de</strong>m os bens públicos ser aliena<strong>dos</strong> por força <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong><br />

compra e venda, <strong>de</strong> doação, <strong>de</strong> permuta e <strong>de</strong> dação em pagamento, como, aliás, também se passa com os bens priva<strong>dos</strong>.<br />

Po<strong>de</strong> ocorrer, mas a título <strong>de</strong> exceção, que a própria Constituição atribua a <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> bem o caráter <strong>de</strong><br />

indisponibilida<strong>de</strong>. É o caso, por exemplo, do art. 225, § 5 o , da Carta vigente, segundo o qual “são indisponíveis as terras<br />

<strong>de</strong>volutas ou arrecadadas pelos Esta<strong>dos</strong>, por ações discriminatórias, necessárias à proteção <strong>dos</strong> ecossistemas naturais”. Tratase,<br />

porém, <strong>de</strong> hipótese específica, <strong>de</strong> nível constitucional, em que o Constituinte preten<strong>de</strong>u preservar a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> certos bens,<br />

tornando-os insuscetíveis <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong> por força <strong>de</strong> lei ordinária. Em compensação, nada impe<strong>de</strong> que, em função da mesma<br />

Constituição, a indisponibilida<strong>de</strong> seja transformada em disponibilida<strong>de</strong> condicionada, o que revela que tal situação <strong>de</strong><br />

inalienabilida<strong>de</strong> tem caráter relativo, a <strong>de</strong>speito da previsão constitucional.<br />

Enfim, vale a pena concluir formulando a seguinte indagação: como se po<strong>de</strong> caracterizar os bens públicos com a marca da<br />

inalienabilida<strong>de</strong>, se a própria Lei n o 8.666/1993 (o Estatuto <strong>de</strong> Contratos e Licitações) <strong>de</strong>stina capítulo no qual regula, entre os<br />

arts. 17 a 19, exatamente as alienações <strong>de</strong> bens públicos móveis e imóveis? Só por aí se vê que não há inalienabilida<strong>de</strong>, mas sim

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