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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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consubstancia a própria criação do direito (ius novum). Além do mais, a função legislativa transcen<strong>de</strong> à mera materialização das<br />

leis para alcançar o status que espelha o exercício da soberania estatal, vale dizer, da auto<strong>de</strong>terminação <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> com vistas à<br />

instituição das normas que eles próprios enten<strong>de</strong>m necessárias à disciplina social.<br />

Por esse motivo, tivemos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consignar, em trabalho que publicamos, que a regra geral, no caso <strong>de</strong> atos<br />

legislativos, <strong>de</strong>ve sempre ser a <strong>de</strong> não ser atribuída responsabilida<strong>de</strong> civil ao Estado, sobretudo porque a edição <strong>de</strong> leis, por si só,<br />

não tem normalmente o condão <strong>de</strong> acarretar danos in<strong>de</strong>nizáveis aos membros da coletivida<strong>de</strong>.<br />

É claro, porém, que a questão nem sempre apresenta essa simplicida<strong>de</strong>. No <strong>Direito</strong> estrangeiro, têm variado as soluções,<br />

inclusive <strong>de</strong> doutrinadores. Em alguns casos, sustenta-se a total irresponsabilida<strong>de</strong> do Estado; em outros, enten<strong>de</strong>-se que haverá a<br />

responsabilida<strong>de</strong> do Estado se a lei causar dano a pessoas ou a grupos sociais; outros, ainda, só admitem a responsabilização no<br />

caso <strong>de</strong> leis inconstitucionais. 72<br />

Apesar da divergência existente entre os autores nacionais, enten<strong>de</strong>mos que o ato legislativo não po<strong>de</strong> mesmo causar a<br />

responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado, se a lei é produzida em estrita conformida<strong>de</strong> com os mandamentos constitucionais. Com a<br />

<strong>de</strong>vida vênia <strong>dos</strong> que pensam em contrário, não vemos como uma lei, regularmente disciplinadora <strong>de</strong> certa matéria, cause prejuízo<br />

ao indivíduo, sabido que os direitos adquiri<strong>dos</strong> já incorpora<strong>dos</strong> a seu patrimônio jurídico são insuscetíveis <strong>de</strong> serem molesta<strong>dos</strong><br />

pela lei nova, ex vi do art. 5 o , XXXVI, da CF. Acresce, ainda, que a lei veicula regras gerais, abstratas e impessoais, não<br />

atingindo, como é óbvio, direitos individuais.<br />

Po<strong>de</strong> ocorrer, isto sim, e frequentemente ocorre, que a lei nova contrarie interesses <strong>de</strong> indivíduos ou <strong>de</strong> grupos, mas esse<br />

fato, por si só, não po<strong>de</strong> propiciar a responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado para obrigá-lo à reparação <strong>de</strong> prejuízos. Parece-nos<br />

incoerente, <strong>de</strong> fato, responsabilizar civilmente o Estado, quando as leis, regularmente editadas, provêm do órgão próprio,<br />

integrado exatamente por aqueles que a própria socieda<strong>de</strong> elegeu – pensamento adotado por alguns estudiosos. 73<br />

Cumpre reconhecer, entretanto, que mo<strong>de</strong>rna doutrina tem reconhecido, em situações excepcionais, a obrigação do Estado <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>nizar, ainda que a lei produza um dano jurídico lícito. Isso ocorre particularmente quando a lei atinge direitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado<br />

grupo <strong>de</strong> indivíduos (p. ex.: o <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>), à custa <strong>de</strong> algum outro benefício conferido a um universo maior <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinatários.<br />

Trata-se aqui <strong>de</strong> dano lícito in<strong>de</strong>nizável, sujeito, no entanto, a que seja (a) economicamente mensurável, (b) especial e (c)<br />

anormal. 74 De qualquer modo, sempre será necessária certa precaução no que tange à análise <strong>de</strong> tais situações, em or<strong>de</strong>m a evitar<br />

que lei contrária a meros interesses possa gerar pretensões reparatórias <strong>de</strong>spidas <strong>de</strong> fundamento jurídico.<br />

2.<br />

LEIS INCONSTITUCIONAIS<br />

Enfoque inteiramente diverso é o que diz respeito à produção <strong>de</strong> leis inconstitucionais.<br />

Quando se assenta a premissa <strong>de</strong> que a soberania do Estado permite àqueles que representam a socieda<strong>de</strong> a edição <strong>de</strong> atos<br />

legislativos, a suposição é a <strong>de</strong> que tais atos <strong>de</strong>vem guardar compatibilida<strong>de</strong> com a Constituição. Significa dizer que ao po<strong>de</strong>r<br />

jurídico e político <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> leis, o Estado, por seus agentes parlamentares, tem o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> respeitar os parâmetros<br />

constitucionais. Por isso, assim como se po<strong>de</strong> afirmar ser lícita a edição regular <strong>de</strong> leis, po<strong>de</strong> também asseverar-se que é ilícito<br />

criar lei em <strong>de</strong>scompasso com a Constituição.<br />

Desse modo, é plenamente admissível que, se o dano surge em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> lei inconstitucional, a qual evi<strong>de</strong>ntemente<br />

reflete atuação in<strong>de</strong>vida do órgão legislativo, não po<strong>de</strong> o Estado simplesmente eximir-se da obrigação <strong>de</strong> repará-lo, porque nessa<br />

hipótese configurada estará a sua responsabilida<strong>de</strong> civil. 75 Como já acentuou autorizada doutrina, a noção <strong>de</strong> lei inconstitucional<br />

correspon<strong>de</strong> à <strong>de</strong> ato ilícito, provocando o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ressarcir os danos patrimoniais <strong>de</strong>le <strong>de</strong>correntes. 76<br />

Releva <strong>de</strong>stacar alguns aspectos. Em primeiro lugar, a responsabilida<strong>de</strong> só se consuma se o ato legislativo efetivamente<br />

produziu danos ao particular, pois que frequentemente a inconstitucionalida<strong>de</strong> da lei em nada afeta a órbita jurídica patrimonial<br />

das pessoas. Depois, é preciso que a lei tenha sido <strong>de</strong>clarada inconstitucional, visto que milita em seu favor a presunção <strong>de</strong><br />

constitucionalida<strong>de</strong>, presunção esta <strong>de</strong>smentida apenas quando o órgão judiciário expressamente proclamar a<br />

inconstitucionalida<strong>de</strong>. 77 Por último, não há confundir o dano proveniente da lei inconstitucional ou aquele <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong> ato<br />

praticado com base na lei inconstitucional. Em ambos os casos, o Estado será civilmente responsável, mas no primeiro é a lei em<br />

si que provoca o dano, ao passo que no segundo é o ato praticado com base na lei; assim, a inconstitucionalida<strong>de</strong> lá é causa direta<br />

da responsabilida<strong>de</strong>, enquanto que aqui é causa indireta.<br />

Avulta, ainda, <strong>de</strong>stacar que o fato gerador da responsabilida<strong>de</strong> estatal no caso – a inconstitucionalida<strong>de</strong> da lei – alcança tanto<br />

a inconstitucionalida<strong>de</strong> material como a formal, pois que, na verda<strong>de</strong>, o vício <strong>de</strong> forma na lei também não escusa a ilegítima<br />

atuação do órgão legislativo. 78 Primitivamente, admitia-se a responsabilida<strong>de</strong> apenas quando houvesse controle concentrado <strong>de</strong><br />

constitucionalida<strong>de</strong>; entretanto, atualmente já se consi<strong>de</strong>ra que o controle inci<strong>de</strong>ntal po<strong>de</strong>, da mesma forma, gerar a<br />

responsabilida<strong>de</strong> do Estado, eis que inexiste qualquer óbice no direito positivo para tal conclusão. 79 A verda<strong>de</strong> é que tanto numa<br />

hipótese quanto na outra fica reconhecido o erro legislativo.

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