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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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direito <strong>de</strong> preferência, pelo preço atual da coisa.”<br />

A estrutura da retrocessão é <strong>de</strong> singela percepção. O Po<strong>de</strong>r Público proce<strong>de</strong> à <strong>de</strong>sapropriação e ultima o respectivo processo,<br />

pagando a <strong>de</strong>vida in<strong>de</strong>nização. Introduzido o bem no patrimônio público, o expropriante não concretiza a <strong>de</strong>stinação do bem na<br />

forma como se havia manifestado anteriormente, inclusive através da expressa referência a essa <strong>de</strong>stinação no <strong>de</strong>creto<br />

expropriatório. A hipótese, portanto, <strong>de</strong>monstra <strong>de</strong>sinteresse superveniente do Po<strong>de</strong>r Público pelo bem que <strong>de</strong>sapropriou, ou, se<br />

se preferir, pela finalida<strong>de</strong> a que se <strong>de</strong>stinava a <strong>de</strong>sapropriação.<br />

É essa situação que gera a retrocessão, pois que o expropriante passa a ter a obrigação <strong>de</strong> oferecer ao ex-proprietário o bem<br />

<strong>de</strong>sapropriado, reembolsando-se do valor que pagou a este a título <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização. Em outras palavras: o expropriante <strong>de</strong>volve o<br />

bem, e o expropriado <strong>de</strong>volve o valor in<strong>de</strong>nizatório <strong>de</strong>vidameante atualizado. Com isso, o expropriado readquire o bem que lhe<br />

havia sido <strong>de</strong>sapropriado. Essa é a fisionomia do instituto da retrocessão.<br />

A inovação mais significativa trazida pelo novo dispositivo foi o acréscimo <strong>de</strong> mais um suporte fático para a configuração<br />

do instituto. Diante do texto, são dois esses suportes: (1 o ) o bem não ter o <strong>de</strong>stino para o qual foi <strong>de</strong>sapropriado; (2 o ) o bem não<br />

ser utilizado em obras ou serviços públicos. No Código revogado, fazia-se menção apenas ao primeiro suporte.<br />

Consequentemente, tais pressupostos <strong>de</strong>vem ser interpreta<strong>dos</strong> <strong>de</strong> forma conjugada: não basta que o bem <strong>de</strong>sapropriado não tenha<br />

o <strong>de</strong>stino anteriormente projetado; cumpre que, além disso, não tenha utilização para obras ou serviços públicos. Significa dizer<br />

que, ainda que a finalida<strong>de</strong> não seja rigorosamente a que fora planejada antes, po<strong>de</strong>rá o bem expropriado ser utilizado para fins<br />

públicos – obras e serviços –, suce<strong>de</strong>ndo, então, o que a doutrina convencionou <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> tre<strong>de</strong>stinação lícita, vale dizer,<br />

alteração da finalida<strong>de</strong> inicial para outra finalida<strong>de</strong> pública – entendimento, diga-se <strong>de</strong> passagem, já há muito adotado por juristas<br />

e tribunais.<br />

A atualização da norma resi<strong>de</strong> na exclusão da referência feita pelo Código revogado às pessoas obrigadas à retrocessão: a<br />

União, os Esta<strong>dos</strong> e os Municípios. Ausente a menção no Código em vigor, o que se compatibiliza com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, é <strong>de</strong><br />

enten<strong>de</strong>r-se que todo aquele que, por lei, tiver aptidão jurídica para promover <strong>de</strong>sapropriação estará sujeito à retrocessão no caso<br />

<strong>de</strong> estarem presentes os pressupostos <strong>de</strong> sua consumação.<br />

Registre-se, ainda, que o Código vigente alu<strong>de</strong> a to<strong>dos</strong> os tipos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação – necessida<strong>de</strong> ou utilida<strong>de</strong> pública, ou<br />

interesse social. Conclui-se, portanto, ser sujeita à retrocessão qualquer modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação.<br />

Vale a pena observar que a tendência atual é a <strong>de</strong> dar ao expropriante, como faculda<strong>de</strong> primária, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r<br />

à tre<strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> interesse público, reservando-se ao nível <strong>de</strong> obrigação secundária a alienação do bem e garantindo-se ao<br />

expropriado o direito à preferência na aquisição. 229<br />

2.<br />

NATUREZA DO DIREITO<br />

Lavra funda controvérsia sobre a natureza da retrocessão. Para alguns especialistas, a retrocessão constitui um direito real,<br />

oponível erga omnes, ao passo que para outros tem natureza <strong>de</strong> direito pessoal, cabendo ao ex-proprietário apenas o direito à<br />

in<strong>de</strong>nização pelos prejuízos causa<strong>dos</strong> pelo expropriante.<br />

Para os que advogam a tese <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> direito real, o argumento é o <strong>de</strong> que a Constituição só autoriza a<br />

<strong>de</strong>sapropriação se houver os pressupostos nela estabeleci<strong>dos</strong>, to<strong>dos</strong> eles sempre retratando a futura execução <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

interesse público. Ora, se o Po<strong>de</strong>r Público <strong>de</strong>siste da <strong>de</strong>sapropriação (rectius: <strong>de</strong>siste <strong>dos</strong> fins a que se <strong>de</strong>stinava a<br />

<strong>de</strong>sapropriação), tem o proprietário o direito real <strong>de</strong> reivindicar a proprieda<strong>de</strong> do bem. Por isso, a aquisição da proprieda<strong>de</strong> pela<br />

<strong>de</strong>sapropriação tem caráter resolúvel: não atingido o fim colimado pelo Po<strong>de</strong>r Público, resolve-se a aquisição e reingressa o bem<br />

no patrimônio do ex-proprietário. 230 Há também algumas <strong>de</strong>cisões judiciais que consi<strong>de</strong>raram o direito como real. 231<br />

A outra corrente doutrinária e jurispru<strong>de</strong>ncial é a que consi<strong>de</strong>ra a retrocessão como direito pessoal. Aliás, embora se<br />

costume empregar essa expressão, a verda<strong>de</strong> é que, adotando maior precisão, essa doutrina enten<strong>de</strong> que o instituto da retrocessão<br />

não existe no or<strong>de</strong>namento jurídico; o que existe é o direito pessoal do expropriado <strong>de</strong> postular in<strong>de</strong>nização. Significa que,<br />

mesmo havendo <strong>de</strong>sistência da <strong>de</strong>sapropriação e até mesmo alienado o bem a terceiro, só caberia ao ex-proprietário o direito<br />

in<strong>de</strong>nizatório, mas não o <strong>de</strong> reaver o bem, ou, o que é a mesma coisa, não o direito à retrocessão. O argumento mais po<strong>de</strong>roso<br />

<strong>de</strong>ssa corrente <strong>de</strong> pensamento está na própria posição do art. 519 do Código Civil. Situa-se o dispositivo no capítulo relativo à<br />

preempção ou preferência, matéria típica do direito obrigacional, que se resolve em perdas e danos, numa evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>monstração<br />

<strong>de</strong> que disciplinam direitos pessoais.<br />

O outro argumento provém do já mencionado art. 35 do Decreto-lei n o 3.365/1941. Ao estatuir que o ex-proprietário per<strong>de</strong><br />

seu direito <strong>de</strong> reivindicar o bem, ainda que nulo seja o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação, a lei consi<strong>de</strong>ra <strong>de</strong>finitivamente incorporado o<br />

bem ao patrimônio público. Desse modo, o ex-proprietário não po<strong>de</strong>ria ter o direito real <strong>de</strong> reaver a coisa, mas apenas o direito<br />

pessoal <strong>de</strong> pleitear in<strong>de</strong>nização, provando que sofreu prejuízo com a superveniente <strong>de</strong>sistência do Po<strong>de</strong>r Público, <strong>de</strong> dar a <strong>de</strong>vida<br />

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