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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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DANOS AO ERÁRIO – Os atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> que causam prejuízos ao erário estão previstos no art. 10 da Lei n<br />

8.429/1992. Representam eles “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, <strong>de</strong>svio,<br />

apropriação, malbaratamento ou dilapidação <strong>dos</strong> bens ou haveres das entida<strong>de</strong>s referidas no art. 1 o da mesma lei. Além da<br />

conduta genérica do caput, a lei relaciona as condutas específicas nos incisos I a XV. 506<br />

Numa interpretação sistemática da lei, <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar-se que o termo erário, constante da tipologia do art. 10, não foi<br />

usado em seu sentido estrito, ou sentido objetivo – o montante <strong>de</strong> recursos financeiros <strong>de</strong> uma pessoa pública (o tesouro). 507 O<br />

sentido adotado foi o subjetivo, em or<strong>de</strong>m a indicar as pessoas jurídicas aludidas no art. 1 o . Anote-se, ainda, que o sentido <strong>de</strong><br />

patrimônio na expressão perda patrimonial tem ampla <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>, a mesma que provém da expressão patrimônio público. 508 Vai,<br />

portanto, muito além do patrimônio econômico-financeiro, embora se reconheça que este é o mais usualmente passível <strong>de</strong><br />

violações.<br />

A perda patrimonial consiste em qualquer lesão que afete o patrimônio, este em seu sentido amplo. Desvio indica<br />

direcionamento in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> bens ou haveres; apropriação é a transferência in<strong>de</strong>vida da proprieda<strong>de</strong>; malbaratamento significa<br />

<strong>de</strong>sperdiçar, dissipar, ven<strong>de</strong>r com prejuízo; e dilapidação equivale a <strong>de</strong>struição, estrago. Na verda<strong>de</strong>, estas quatro últimas ações<br />

são exemplos <strong>de</strong> meios que conduzem à perda patrimonial; esta é o gênero, do qual aquelas são espécies.<br />

O objeto da tutela resi<strong>de</strong> na preservação do patrimônio público. Não somente é <strong>de</strong> proteger-se o erário em si, com suas<br />

dotações e recursos, como outros bens e valores jurídicos <strong>de</strong> que se compõe o patrimônio público. Esse é o intuito da lei no que<br />

toca a tal aspecto. Mo<strong>de</strong>rnamente, impõem-se maior zelo e proteção também no concernente ao patrimônio intangível,<br />

constituído <strong>de</strong> bens imateriais, como marcas, patentes, direitos autorais e, sobretudo, criações tecnológicas. 509<br />

Pressuposto exigível é a ocorrência do dano ao patrimônio das pessoas referidas no art. 1 o da lei. Nesta há a menção a<br />

prejuízo ao erário, termo que transmite o sentido <strong>de</strong> perda patrimonial em sentido estrito, mas a i<strong>de</strong>ia é mais ampla, significando<br />

dano, indicativo <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> lesão. Sendo o dano pressuposto exigível, não vislumbramos qualquer improprieda<strong>de</strong> nos<br />

incisos acrescenta<strong>dos</strong> pela Lei n o 11.107/2005, que regula os consórcios – o XIV (“celebrar contrato ou outro instrumento que<br />

tenha por objeto a prestação <strong>de</strong> serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalida<strong>de</strong>s previstas em lei”)<br />

e o XV (“celebrar contrato <strong>de</strong> rateio <strong>de</strong> consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as<br />

formalida<strong>de</strong>s previstas em lei”): somente se caracterizará o ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> nessas condutas se houver dano ao erário; se não<br />

houver, incidirá, conforme o caso, o art. 11, que trata da violação <strong>de</strong> princípios. 510<br />

A Lei n o 13.019/2014, que regula as parcerias voluntárias, alterou o inciso VIII, que consi<strong>de</strong>ra improbida<strong>de</strong> o ato <strong>de</strong> frustrar<br />

a licitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> processo licitatório, esten<strong>de</strong>ndo-o ao processo seletivo das parcerias. Acrescentou também os incisos XVI a XXI,<br />

to<strong>dos</strong> relaciona<strong>dos</strong> a atos pratica<strong>dos</strong> em parcerias: (a) facilitar ou concorrer para a incorporação ao patrimônio privado <strong>de</strong> bens e<br />

valores transferi<strong>dos</strong> pelo Po<strong>de</strong>r Público; (b) permitir ou concorrer para a utilização <strong>de</strong>sses bens e recursos por pessoa privada; (c)<br />

celebrar parcerias sem observar as formalida<strong>de</strong>s legais; (d) agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise <strong>de</strong><br />

prestações <strong>de</strong> contas; (e) liberar recursos <strong>de</strong> parcerias fora das condições legais. Houve uma erronia técnica na lei: o citado inciso<br />

VIII, alterado, que passou a prever a frustração <strong>de</strong> licitu<strong>de</strong> também em processo seletivo <strong>de</strong> parcerias, foi repetido no inciso XIX,<br />

tornando-se este, obviamente, dispensável por ser bis in i<strong>de</strong>m.<br />

Pressuposto dispensável é a ocorrência <strong>de</strong> enriquecimento ilícito. A conduta po<strong>de</strong> provocar dano ao erário sem que alguém<br />

se locuplete in<strong>de</strong>vidamente. É o caso em que o agente público realiza operação financeira sem observância das normas legais e<br />

regulamentares (art. 10, inciso VI).<br />

O elemento subjetivo é o dolo ou culpa, como consta do caput do dispositivo. Nesse ponto o legislador adotou critério<br />

diverso em relação ao enriquecimento ilícito. É verda<strong>de</strong> que há autores que excluem a culpa, chegando mesmo a consi<strong>de</strong>rar<br />

inconstitucional tal referência no mandamento legal. 511 Não lhes assiste razão, entretanto. O legislador teve realmente o<br />

<strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato <strong>de</strong> punir condutas culposas <strong>de</strong> agentes, que causem danos ao erário. Aliás, para não <strong>de</strong>ixar dúvida, referiu-se ao dolo e<br />

à culpa também no art. 5 o , que, da mesma forma, dispõe sobre prejuízos ao erário. Em nosso enten<strong>de</strong>r, não colhe o argumento <strong>de</strong><br />

que a conduta culposa não tem gravida<strong>de</strong> suficiente para propiciar a aplicação <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>. Com toda a certeza, há<br />

comportamentos culposos que, pela repercussão que acarretam, têm maior <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> que algumas condutas dolosas. Além disso,<br />

o princípio da proporcionalida<strong>de</strong> permite a perfeita a<strong>de</strong>quação da sanção à maior ou menor gravida<strong>de</strong> do ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>. 512<br />

O que se exige, isto sim, é que haja comprovada <strong>de</strong>monstração do elemento subjetivo e também do dano causado ao erário. 513<br />

Tanto quanto na improbida<strong>de</strong> que importa em enriquecimento ilícito, não há ensejo para a tentativa.<br />

No que tange ao sujeito ativo, repetimos o comentário já feito anteriormente a propósito do enriquecimento ilícito: tanto<br />

po<strong>de</strong> a improbida<strong>de</strong> ser cometida apenas pelo agente público (quando, por exemplo, age negligentemente na arrecadação <strong>de</strong><br />

tributo, como previsto no art. 10, X), quanto pelo agente em coautoria com o terceiro (como ocorre quando o agente<br />

in<strong>de</strong>vidamente faz doação <strong>de</strong> bem público a terceiro, nos termos do art. 10, III).<br />

A natureza <strong>dos</strong> tipos admite condutas comissivas e omissivas, o que nesse aspecto se diferencia <strong>dos</strong> atos que importam

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