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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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Se o lesado em nada contribuiu para o dano que lhe causou a conduta estatal, é apenas o Estado que <strong>de</strong>ve ser civilmente<br />

responsável e obrigado a reparar o dano.<br />

Entretanto, po<strong>de</strong> ocorrer que o lesado tenha sido o único causador <strong>de</strong> seu próprio dano, ou que ao menos tenha contribuído<br />

<strong>de</strong> alguma forma para que o dano tivesse surgido. No primeiro caso, a hipótese é <strong>de</strong> autolesão, não tendo o Estado qualquer<br />

responsabilida<strong>de</strong> civil, eis que faltantes os pressupostos do fato administrativo e da relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>. 40 O efeito danoso, em<br />

tal situação, <strong>de</strong>ve ser atribuído exclusivamente àquele que causou o dano a si mesmo. 41<br />

Se, ao contrário, o lesado, juntamente com a conduta estatal, participou do resultado danoso, não seria justo que o Po<strong>de</strong>r<br />

Público arcasse sozinho com a reparação <strong>dos</strong> prejuízos. Nesse caso, a in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>vida pelo Estado <strong>de</strong>verá sofrer redução<br />

proporcional à extensão da conduta do lesado que também contribuiu para o resultado danoso. Desse modo, se Estado e lesado<br />

contribuíram por meta<strong>de</strong> para a ocorrência do dano, a in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>vida por aquele <strong>de</strong>ve atingir apenas a meta<strong>de</strong> <strong>dos</strong> prejuízos<br />

sofri<strong>dos</strong>, arcando o lesado com a outra meta<strong>de</strong>. É a aplicação do sistema da compensação das culpas no direito privado. Exemplo<br />

interessante foi o <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trânsito em que dois veículos colidiram em cruzamento por força <strong>de</strong> <strong>de</strong>feito no semáforo:<br />

provado que ambos trafegavam com excesso <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>, contribuindo para o resultado danoso, foi-lhes assegurada<br />

in<strong>de</strong>nização do Po<strong>de</strong>r Público apenas pela meta<strong>de</strong> <strong>dos</strong> danos. 42<br />

A jurisprudência tem reconhecido, com absoluta exatidão, o sistema <strong>de</strong> compensação <strong>de</strong> culpas e do <strong>de</strong>ver in<strong>de</strong>nizatório. Em<br />

hipótese na qual o particular edificou casa resi<strong>de</strong>ncial numa encosta <strong>de</strong> colina, sem as indispensáveis cautelas e comprometendo a<br />

estabilida<strong>de</strong> das elevações, tendo sido o imóvel <strong>de</strong>struído por fortes chuvas e comprovada culpa concorrente do Município,<br />

<strong>de</strong>cidiu o TJ-RJ que há partilha <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> e, por consequência óbvia, nos danos a compor, reduzindo-se a imposição<br />

do ressarcimento <strong>dos</strong> danos apura<strong>dos</strong>. 43<br />

O novo Código Civil, curvando-se à real existência <strong>de</strong> diversos fatos <strong>de</strong>ssa natureza, instituiu pertinentemente norma<br />

disciplinando a culpa civil recíproca. Dita o art. 945 do novo diploma: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento<br />

danoso, a sua in<strong>de</strong>nização será fixada tendo-se em conta a gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua culpa em confronto com a do autor do dano.” O<br />

dispositivo, como se nota, abriga no direito positivo a tese antes acolhida apenas em se<strong>de</strong> jurispru<strong>de</strong>ncial, reforçando a solução<br />

hoje aplicada no caso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> da Administração Pública com participação do lesado no <strong>de</strong>sfecho <strong>de</strong> seu próprio dano.<br />

4.<br />

FATOS IMPREVISÍVEIS<br />

Não é raro que os indivíduos sofram danos em razão <strong>de</strong> fatos que se afiguram imprevisíveis, aqueles eventos que, por<br />

alguma causa, ocorrem sem que as pessoas possam pressenti-los e até mesmo preparar-se para enfrentá-los e evitar os prejuízos,<br />

às vezes vultosos, que ocasionam.<br />

São fatos imprevisíveis aqueles eventos que constituem o que a doutrina tem <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> força maior e <strong>de</strong> caso fortuito.<br />

Não distinguiremos, porém, essas categorias, visto que há gran<strong>de</strong> divergência doutrinária na caracterização <strong>de</strong> cada um <strong>dos</strong><br />

eventos. Alguns autores enten<strong>de</strong>m que a força maior é o acontecimento originário da vonta<strong>de</strong> do homem, como é o caso da greve,<br />

por exemplo, sendo o caso fortuito o evento produzido pela natureza, como os terremotos, as tempesta<strong>de</strong>s, os raios e trovões. 44<br />

Outros dão caracterização exatamente contrária, consi<strong>de</strong>rando força maior os eventos naturais e caso fortuito os <strong>de</strong> alguma forma<br />

imputáveis ao homem. 45 Há, ainda, quem consi<strong>de</strong>re caso fortuito um aci<strong>de</strong>nte que não exime a responsabilida<strong>de</strong> do Estado. 46<br />

Pensamos que o melhor é agrupar a força maior e o caso fortuito como fatos imprevisíveis, também chama<strong>dos</strong> <strong>de</strong> acaso,<br />

porque são idênticos os seus efeitos. Daí a correta conclusão <strong>de</strong> que “todo o esforço empregado pela doutrina para bifurcar o<br />

acaso resultou numa confusão, que hoje se procura evitar, ou mesmo contornar, eliminando-a pura e simplesmente, atenta a<br />

circunstância <strong>de</strong> que é o mesmo o efeito atribuído pela lei”. 47<br />

E qual a importância <strong>de</strong>sses fatos no que diz respeito à responsabilida<strong>de</strong> do Estado? O primeiro ponto que importa consi<strong>de</strong>rar<br />

é o relativo ao caráter <strong>de</strong> imprevisibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se revestem. Significa dizer que sua ocorrência estava fora do âmbito da<br />

normal prevenção que po<strong>de</strong>m ter as pessoas. Tais fatos, como anota VEDEL, são imprevisíveis e irresistíveis. 48<br />

O outro aspecto a consi<strong>de</strong>rar resi<strong>de</strong> na exclusão da responsabilida<strong>de</strong> do Estado no caso da ocorrência <strong>de</strong>sses fatos<br />

imprevisíveis. Vimos que os pressupostos da responsabilida<strong>de</strong> objetiva são o fato administrativo, o dano e o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong><br />

entre o fato e o dano. Ora, na hipótese <strong>de</strong> caso fortuito ou força maior nem ocorreu fato imputável ao Estado, nem fato cometido<br />

por agente estatal. E, se é assim, não existe nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre qualquer ação do Estado e o dano sofrido pelo lesado. A<br />

consequência, pois, não po<strong>de</strong> ser outra que não a <strong>de</strong> que tais fatos imprevisíveis não ensejam a responsabilida<strong>de</strong> do Estado. Em<br />

outras palavras, são eles exclu<strong>de</strong>ntes da responsabilida<strong>de</strong>.<br />

É preciso, porém, verificar, caso a caso, os elementos que cercam a ocorrência do fato e os danos causa<strong>dos</strong>. Se estes forem<br />

resultantes, em conjunto, do fato imprevisível e <strong>de</strong> ação ou omissão culposa do Estado, não terá havido uma só causa, mas<br />

concausas, não se po<strong>de</strong>ndo, nessa hipótese, falar em exclu<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. Como o Estado <strong>de</strong>u causa ao resultado,<br />

segue-se que a ele será imputada responsabilida<strong>de</strong> civil. Por respeito à equida<strong>de</strong>, porém, a in<strong>de</strong>nização será mitigada, cabendo ao

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