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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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lei autorize o administrador a praticar o ato <strong>de</strong> forma imediata. Assim, acertada a <strong>de</strong>cisão segundo a qual, no exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> polícia administrativa, não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a Administração da intervenção <strong>de</strong> outro po<strong>de</strong>r para torná-lo efetivo. 51 Quando a lei<br />

autoriza o exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia com autoexecutorieda<strong>de</strong>, é porque se faz necessária a proteção <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado interesse<br />

coletivo.<br />

Impõem-se, ainda, duas observações. A primeira consiste no fato <strong>de</strong> que há atos que não autorizam a imediata execução pela<br />

Administração, como é o caso das multas, cuja cobrança só é efetivamente concretizada pela ação própria na via judicial. A outra<br />

é que a autoexecutorieda<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ve constituir objeto <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> modo que <strong>de</strong>verá a prerrogativa compatibilizar-se<br />

com o princípio do <strong>de</strong>vido processo legal para o fim <strong>de</strong> ser a Administração obrigada a respeitar as normas legais. 52<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> a multa não ser autoexecutória, é possível que seu pagamento se configure como condição para que a<br />

Administração pratique outro ato em favor do interessado. Exige-se, contudo, que tal condição tenha expressa previsão em lei.<br />

Há, aqui e ali, entendimento no sentido <strong>de</strong> que a liberação <strong>de</strong> veículo alvo da penalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreensão por motivo <strong>de</strong> infração <strong>de</strong><br />

trânsito dispense o pagamento da multa, e isso sob o argumento <strong>de</strong> que se estaria, indiretamente, convertendo a multa em punição<br />

autoexecutória. 53 Não nos parece correta tal orientação. No caso, não se trata <strong>de</strong> transformação da natureza da multa, mas sim da<br />

circunstância <strong>de</strong> ter a lei consi<strong>de</strong>rado a quitação da multa como condição da prática <strong>de</strong> novo ato administrativo. 54 Se a lei fez<br />

expressamente a previsão, não há fundamento para impugnar a exigência. 55<br />

O que não se admite é que o órgão <strong>de</strong> trânsito imponha o pagamento da multa que ainda não tenha sido objeto <strong>de</strong><br />

notificação, pois que com esta é que a sanção se torna exigível. Todavia, se está vencida é porque o infrator não a impugnou<br />

oportunamente, <strong>de</strong>ixando transcorrer in albis o prazo <strong>de</strong> impugnação, ou, se impugnou, seu recurso foi improvido: nesse caso, seu<br />

pagamento po<strong>de</strong> ser normalmente imposto como condição <strong>de</strong> liberação do veículo. 56<br />

Hipótese interessante sobre o tema, aliás, foi <strong>de</strong>cidida pelo TJ-RJ. Em razão <strong>de</strong> estar operando transporte <strong>de</strong> passageiros sem<br />

a <strong>de</strong>vida autorização legal, <strong>de</strong>terminado veículo (uma “van”) foi objeto <strong>de</strong> apreensão e multa pela autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trânsito. Para<br />

liberar o veículo, exigiu-se do proprietário que pagasse a multa. Em outras palavras: a multa figuraria como condição para<br />

liberação do veículo. Em mandado <strong>de</strong> segurança, o Tribunal <strong>de</strong>cidiu que a multa não é autoexecutória e não po<strong>de</strong> figurar como<br />

condição <strong>de</strong> outro ato, a menos que haja expressa previsão legal. 57 Ora, o Código <strong>de</strong> Trânsito, como visto, prevê expressamente a<br />

hipótese, o que <strong>de</strong>ixa sem fundamento a <strong>de</strong>cisão.<br />

Vale a pena observar que o direito positivo também qualifica o pagamento <strong>de</strong> tributos ou contribuições como condição para<br />

a prática <strong>de</strong> outros atos. Como exemplo, po<strong>de</strong> citar-se a exigência <strong>de</strong> quitação fiscal para participação em procedimentos <strong>de</strong><br />

licitação pública. 58 Portanto, não há qualquer estranheza em tal situação, <strong>de</strong>vendo- -se admitir que o legislador, nesses casos, não<br />

quis permitir que as multas impostas venham a permanecer in<strong>de</strong>finidamente sem a quitação por parte do infrator; afinal, se foi<br />

aplicada multa, houve fatalmente a transgressão administrativa.<br />

Outra hipótese que tem provocado alguma polêmica diz respeito à mesma exigência <strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong> multas no caso <strong>de</strong><br />

renovação <strong>de</strong> licenciamento <strong>de</strong> veículos. Como essa exigência é prevista na lei <strong>de</strong> trânsito, nenhuma razão existe para dispensá-la.<br />

O que é imprescindível é que tais hipóteses tenham previsão legal, não ficando, por conseguinte, ao mero alvedrio da<br />

autorida<strong>de</strong> administrativa. Assim, não encontramos ressonância para algumas opiniões que, em nome da pseudotutela <strong>de</strong> direitos,<br />

opõe alguma resistência a esse tipo <strong>de</strong> condicionamento previsto em lei, invocando basicamente o argumento <strong>de</strong> que a multa <strong>de</strong><br />

trânsito é penalida<strong>de</strong> administrativa e, como tal, po<strong>de</strong> ser inscrita na dívida ativa e cobrada por processo especial <strong>de</strong> execução<br />

fiscal. 59 Com a <strong>de</strong>vida vênia, não abonamos esse pensamento: a uma, porque o pagamento das multas como condição <strong>de</strong> novo<br />

licenciamento está expresso em lei, que nada tem <strong>de</strong> inconstitucional; 60 a duas, porque o fato <strong>de</strong> a multa ser suscetível <strong>de</strong><br />

execução fiscal não tem qualquer relação com a exigência <strong>de</strong> sua quitação antes do licenciamento e vistoria; e, a três, porque o<br />

excesso <strong>de</strong> infrações, como regra, é sintoma <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong> no trânsito e <strong>de</strong> risco para pe<strong>de</strong>stres e outros motoristas, e é nessa<br />

verificação que se situa o exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia pela Administração – ativida<strong>de</strong>, na hipótese, tipicamente preventiva<br />

contra a in<strong>de</strong>vida prática da ativida<strong>de</strong> pelos particulares. Felizmente, tem predominado a lógica em <strong>de</strong>cisões e entendimentos<br />

contrários. 61<br />

3.<br />

COERCIBILIDADE<br />

Essa característica estampa o grau <strong>de</strong> imperativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se revestem os atos <strong>de</strong> polícia. A Polícia Administrativa, como é<br />

natural, não po<strong>de</strong> curvar-se ao interesse <strong>dos</strong> administra<strong>dos</strong> <strong>de</strong> prestar ou não obediência às imposições. Se a ativida<strong>de</strong><br />

correspon<strong>de</strong>r a um po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>corrente do ius imperii estatal, há <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sempenhada <strong>de</strong> forma a obrigar to<strong>dos</strong> a observarem os<br />

seus coman<strong>dos</strong>.<br />

Diga-se, por oportuno, que é intrínseco a essa característica o po<strong>de</strong>r que tem a Administração <strong>de</strong> usar a força, caso necessária<br />

para vencer eventual recalcitrância. É o que suce<strong>de</strong>, por exemplo, quando, em regime <strong>de</strong> greve, operários se apo<strong>de</strong>ram manu<br />

militari da fábrica e se recusam a <strong>de</strong>socupá-la na forma da lei.

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