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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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Nesse caso, uma das partes não consegue cumprir o contrato nas condições em que foi firmado. Entretanto, não o fez por<br />

culpa sua, mas, ao contrário, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatos supervenientes à celebração, que impediram ou dificultaram a conclusão do<br />

contrato. Correspon<strong>de</strong>m tais fatos a situações excepcionais, e a eles não <strong>de</strong>u causa a parte inadimplente. Por isso não po<strong>de</strong>m ser<br />

invoca<strong>dos</strong> a todo o momento sem que hajam concorrido os exatos pressupostos do acontecimento nem substituem a álea natural<br />

<strong>dos</strong> contratos. Tendo em vista a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lineamentos, serão tais hipóteses examinadas em separado.<br />

Registre-se, por oportuno, que, em bom momento, o novo Código Civil tratou expressamente da matéria, intitulando-a <strong>de</strong><br />

“resolução por onerosida<strong>de</strong> excessiva”. Segundo os dizeres do art. 478 <strong>de</strong>sse novo diploma civilístico, nos contratos <strong>de</strong> execução<br />

continuada ou diferida, o <strong>de</strong>vedor po<strong>de</strong> pedir a resolução do contrato quando sua prestação se tornar excessivamente onerosa,<br />

com vantagem extrema para a outra parte, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> eventos extraordinários e imprevisíveis. A resolução, todavia,<br />

po<strong>de</strong>rá ser evitada se a parte beneficiada pelo evento imprevisível modificar equitativamente as condições do contrato (art. 479).<br />

Tais normas possuem caráter genérico e, portanto, aplicam-se integralmente em qualquer forma <strong>de</strong> contratação, inclusive nos<br />

contratos administrativos.<br />

3.1.<br />

Teoria da Imprevisão<br />

Como bem sintetiza LAUBADÈRE, ocorre a teoria da imprevisão quando, no curso do contrato, sobrevêm eventos<br />

excepcionais e imprevisíveis que subvertem a equação econômico-financeira do pacto. 100<br />

O fundamento da teoria da imprevisão é o princípio da cláusula rebus sic stantibus, segundo o qual o contrato <strong>de</strong>ve ser<br />

cumprido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes as mesmas condições existentes no cenário <strong>de</strong>ntro do qual foi o pacto ajustado. Mudadas<br />

profundamente tais condições, rompe-se o equilíbrio contratual, e não se po<strong>de</strong> imputar qualquer culpa à parte inadimplente.<br />

O elemento característico do instituto é a álea econômica, e sobre ela vale repetir as palavras <strong>de</strong> CAIO TÁCITO: “A álea<br />

econômica é, por natureza, extraordinária, exce<strong>de</strong>nte aos riscos normais admiti<strong>dos</strong> pela natureza do negócio. Os fenômenos da<br />

instabilida<strong>de</strong> econômica ou social (guerras, crises econômicas, <strong>de</strong>svalorização da moeda) são as causas principais do estado <strong>de</strong><br />

imprevisão, tanto pela importância do impacto <strong>de</strong> seus efeitos, como pela imprevisibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas consequências.” Assinala<br />

ainda o gran<strong>de</strong> publicista que o fato gerador da imprevisão <strong>de</strong>ve ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da vonta<strong>de</strong> do beneficiário, o que confirma que<br />

não agiu com culpa e que ao evento não <strong>de</strong>u causa. 101<br />

O efeito da teoria da imprevisão calca-se em duas vertentes. Se a parte prejudicada não pu<strong>de</strong>r cumprir, <strong>de</strong> nenhum modo, as<br />

obrigações contratuais, dar-se-á a rescisão sem atribuição <strong>de</strong> culpa. Se o cumprimento for possível, mas acarretar ônus para a<br />

parte, terá esta direito à revisão do preço para restaurar o equilíbrio rompido. Já se observou, oportunamente, que o direito<br />

brasileiro não contemplou objetivamente o instituto, po<strong>de</strong>ndo-se apontar o art. 55, II, b, da antiga lei licitatória, que admitia o<br />

ajuste bilateral para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial, como tímido fundamento para seu reconhecimento. 102<br />

O argumento persiste, porque essa previsão é repetida no art. 65, II, d, do vigente Estatuto.<br />

3.2. O Fato do Príncipe<br />

O equilíbrio do contrato administrativo po<strong>de</strong> ser quebrado por força <strong>de</strong> ato ou medida instituída pelo próprio Estado. Foi por<br />

isso construída a teoria do fato do príncipe, aplicável quando o Estado contratante, mediante ato lícito, modifica as condições do<br />

contrato, provocando prejuízo ao contratado. O pressuposto do fato do príncipe é a álea administrativa. 103<br />

Sobre o fato do príncipe, já tivemos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer em estudo a respeito que “esse fato oriundo da Administração<br />

Pública não se preor<strong>de</strong>na diretamente ao particular contratado. Ao contrário, tem cunho <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, embora reflexamente<br />

incida sobre o contrato, ocasionando oneração excessiva ao particular in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste”. 104<br />

O fato do príncipe se caracteriza por ser imprevisível, extracontratual e extraordinário, provocando neste último caso funda<br />

alteração na equação econômico--financeira do contrato.<br />

Parte da doutrina enten<strong>de</strong> que o fato <strong>de</strong>ve emanar da mesma pessoa jurídica que celebrou o ajuste. 105 Com a <strong>de</strong>vida vênia,<br />

enten<strong>de</strong>mos que o “príncipe” é o Estado ou qualquer <strong>de</strong> suas manifestações internas, <strong>de</strong> modo que nos parece aplicável a teoria<br />

se, por exemplo, um ato oriundo da União Fe<strong>de</strong>ral atingir um particular que tenha contratado com um Estado-membro. 106<br />

O efeito da aplicação da teoria do fato do príncipe, à semelhança do que ocorre com a teoria da imprevisão, comporta duas<br />

hipóteses. A primeira é aquela em que o ato estatal dificulta e onera o particular para o cumprimento <strong>de</strong> suas obrigações; nesse<br />

caso, terá o particular o direito à revisão do preço para ensejar a restauração do equilíbrio contratual. Outra hipótese é aquela em<br />

que o fato impe<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitivamente o particular <strong>de</strong> adimplir as obrigações. Impossibilitado <strong>de</strong> fazê-lo por motivo a que não <strong>de</strong>u<br />

causa, não po<strong>de</strong> ser por isso prejudicado, <strong>de</strong> modo que fará jus à in<strong>de</strong>nização integral. 107 Observe-se que, nesta segunda hipótese,<br />

a solução adotada difere da que se aplica na teoria da imprevisão, como vimos anteriormente.

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