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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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administrativo.<br />

No primeiro caso, diz-se que o agente atuou com “excesso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r” e no segundo, com “<strong>de</strong>svio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”.<br />

Excesso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r é a forma <strong>de</strong> abuso própria da atuação do agente fora <strong>dos</strong> limites <strong>de</strong> sua competência administrativa. 10<br />

Nesse caso, ou o agente inva<strong>de</strong> atribuições cometidas a outro agente, ou se arroga o exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que a lei não lhe<br />

conferiu.<br />

Já o <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r é a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abuso em que o agente busca alcançar fim diverso daquele que a lei lhe permitiu,<br />

como bem assinala LAUBADÈRE. 11 A finalida<strong>de</strong> da lei está sempre voltada para o interesse público. Se o agente atua em<br />

<strong>de</strong>scompasso com esse fim, <strong>de</strong>svia-se <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r e pratica, assim, conduta ilegítima. Por isso é que tal vício é também<br />

<strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>nominação, aliás, adotada na lei que disciplina a ação popular (Lei nº 4.717, <strong>de</strong><br />

29.6.1965, art. 2º, parágrafo único, “e”). 12<br />

O <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r é conduta mais visível nos atos discricionários. Decorre <strong>de</strong>sse fato a dificulda<strong>de</strong> na obtenção da prova<br />

efetiva do <strong>de</strong>svio, sobretudo porque a ilegitimida<strong>de</strong> vem dissimulada sob a aparência da perfeita legalida<strong>de</strong>. Observa a esse<br />

respeito CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: “Trata-se, pois, <strong>de</strong> um vício particularmente censurável, já que se<br />

traduz em comportamento soez, insidioso. A autorida<strong>de</strong> atua embuçada em pretenso interesse público, ocultando <strong>de</strong>ssarte seu<br />

malicioso <strong>de</strong>sígnio.” 13 Não obstante, ainda que sem prova ostensiva, é possível extrair da conduta do agente os da<strong>dos</strong><br />

indicadores do <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>, sobretudo à luz do objetivo que a inspirou. 14<br />

Em preciosa monografia sobre o tema, CRETELLA JUNIOR, também reconhecendo a dificulda<strong>de</strong> da prova, oferece,<br />

entretanto, a noção <strong>dos</strong> sintomas <strong>de</strong>nunciadores do <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Chama sintoma “qualquer traço, interno ou externo, direto,<br />

indireto ou circunstancial que revele a distorção da vonta<strong>de</strong> do agente público ao editar o ato, praticando-o não por motivo <strong>de</strong><br />

interesse público, mas por motivo privado”.<br />

3.3. Efeitos<br />

Agindo com abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, por qualquer <strong>de</strong> suas formas, o agente submete sua conduta à revisão, judicial ou<br />

administrativa. O abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r não po<strong>de</strong> compatibilizar-se com as regras da legalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que, constatado o abuso, cabe<br />

repará-lo.<br />

A invalidação da conduta abusiva po<strong>de</strong> dar-se na própria esfera administrativa (autotutela) ou através <strong>de</strong> ação judicial,<br />

inclusive por mandado <strong>de</strong> segurança (art. 5º, LXIX, CF). Por outro lado, o abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r constitui, em certas circunstâncias,<br />

ilícito penal, como dispõe a Lei nº 4.898, <strong>de</strong> 9.12.1965, que estabelece sanções para o agente da conduta abusiva.<br />

O comportamento abusivo <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s públicas só po<strong>de</strong> ser eficazmente combatido pelo instrumento do controle, seja<br />

qual for o Po<strong>de</strong>r estatal em que seja exercido. A ausência <strong>de</strong> controle ren<strong>de</strong> ensejo à prática <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r; assim, para coibilo,<br />

necessária se torna a criação <strong>de</strong> mecanismos a<strong>de</strong>qua<strong>dos</strong> à i<strong>de</strong>ntificação do abuso e <strong>de</strong> seu autor, bem como das consequências<br />

jurídicas a que estará sujeito o responsável pela ilegalida<strong>de</strong>. Sensível a tais situações, aliás, a EC 45/2004 <strong>de</strong>terminou a<br />

instituição <strong>de</strong> órgãos específicos no combate a abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r cometido por integrantes do Po<strong>de</strong>r Judiciário e do Ministério<br />

Público (Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público), admitindo reclamações <strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong> e<br />

punição aos responsáveis. 15<br />

3.4. Abuso <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r e Ilegalida<strong>de</strong><br />

Pela própria natureza do fato em si, todo abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r se configura como ilegalida<strong>de</strong>. Não se po<strong>de</strong> conceber que a<br />

conduta <strong>de</strong> um agente, fora <strong>dos</strong> limites <strong>de</strong> sua competência ou <strong>de</strong>spida da finalida<strong>de</strong> da lei, possa compatibilizar-se com a<br />

legalida<strong>de</strong>. É certo que nem toda ilegalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> conduta abusiva; mas todo abuso se reveste <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong> e, como tal,<br />

sujeita-se à revisão administrativa ou judicial.<br />

Conforme pensamento adotado por vários autores, a ilegalida<strong>de</strong> é gênero do qual o abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r é espécie. 16 Há autores,<br />

todavia, que enten<strong>de</strong>m diversamente, ao consignar que nem todo abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r constitui ilegalida<strong>de</strong>. 17<br />

Com a <strong>de</strong>vida vênia a esses renoma<strong>dos</strong> juristas, pensamos que todo abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r é realmente uma afronta ao princípio da<br />

legalida<strong>de</strong>. Por isso mesmo, não se houve o legislador constituinte com a <strong>de</strong>vida técnica ao <strong>de</strong>linear o habeas corpus (art. 5º,<br />

LXVIII), o mandado <strong>de</strong> segurança (art. 5º, LXIX) e o direito <strong>de</strong> petição (art. 5º, XXXIV, “a”), fixando como pressuposto <strong>de</strong>ssas<br />

garantias o fato <strong>de</strong> haver na conduta administrativa “ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”, dando a falsa impressão <strong>de</strong> serem<br />

fenômenos diversos e ensejando a errônea interpretação <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria haver abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r legal, o que seria inegável<br />

contradictio in terminis.<br />

Precisa é a lição <strong>de</strong> SEABRA FAGUNDES a respeito <strong>de</strong>ssa alternativa constitucional, que, <strong>de</strong> resto, repete a que continha o<br />

art. 153, §§ 20 e 21, da Constituição <strong>de</strong> 1967: “A conceituação do abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r terá caráter meramente teórico, por isto que,

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