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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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<strong>de</strong>stinação ao bem <strong>de</strong>sapropriado. Da mesma forma que mencionamos anteriormente, também há várias <strong>de</strong>cisões que<br />

adotaram essa corrente <strong>de</strong> entendimento. 233<br />

A nosso ver, o direito é pessoal, conclusão a que temos que curvar-nos em virtu<strong>de</strong> da legislação atualmente vigorante.<br />

Entretanto, conviria que, <strong>de</strong> lege ferenda, viesse a se caracterizar como real. De fato, se o próprio Estado <strong>de</strong>siste do que<br />

pretendia, <strong>de</strong>ve restituir as coisas ao estado anterior, obrigando-se a <strong>de</strong>volver o bem a seu antigo proprietário. Este, constatada a<br />

<strong>de</strong>sistência, teria direito real contra o Estado, sendo-lhe viável reaver a coisa do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> quem in<strong>de</strong>vidamente a <strong>de</strong>tivesse. A<br />

vigente legislação, contudo, não permite extrair essa conclusão, com a <strong>de</strong>vida vênia daqueles que pensam em contrário. Aliás, já<br />

há atualmente posições respeitáveis que enten<strong>de</strong>m <strong>de</strong>va ser atenuada a fórmula do direito pessoal, estabelecendo algumas<br />

limitações para que o Estado oponha essa caracterização do direito. 234 Indiscutível, porém, é que ambas as posições básicas são<br />

suscetíveis a críticas. 235 Registre-se, todavia, que tais interpretações persistem mesmo diante do novo art. 5º, § 6º, da lei geral,<br />

sobre o qual tecemos os <strong>de</strong>vi<strong>dos</strong> comentários no tópico anterior.<br />

A doutrina faz referência a uma terceira corrente, segundo a qual se sustenta ser a retrocessão um direito <strong>de</strong> natureza mista<br />

(pessoal e real), “cabendo ao expropriado a ação <strong>de</strong> preempção ou preferência (<strong>de</strong> natureza real) ou, se preferir, perdas e<br />

danos”. 236 Enten<strong>de</strong> a reconhecida publicista que, se o bem já tiver sofrido profundas alterações ou se tiver sido transferido a<br />

terceiros, dificultando a <strong>de</strong>volução, caberia ao ex-proprietário apenas o pedido in<strong>de</strong>nizatório. Em nossa opinião, porém, o<br />

pensamento da autora, com a distinção que faz, acaba por <strong>de</strong>saguar na corrente que sustenta ser a retrocessão um direito pessoal.<br />

Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal controvérsia, acabou por revelar-se também polêmica a natureza da ação promovida pelo ex-proprietário.<br />

Para aqueles que advogam o entendimento <strong>de</strong> que a retrocessão importa direito real, a pretensão do interessado será <strong>de</strong>duzida em<br />

ação <strong>de</strong> natureza real. 237 Caso se entenda ser pessoal o direito, tratar-se-á <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> natureza pessoal. A distinção tem<br />

importância para o caso da prescrição. No primeiro caso, incidirá o prazo geral <strong>de</strong> prescrição previsto no art. 205 do Código Civil<br />

(10 anos); 238 no segundo, como a pretensão é in<strong>de</strong>nizatória (e, pois, <strong>de</strong> reparação civil), aplicar-se-á o art. 206, § 3 o , V, do<br />

mesmo Código, que fixa o prazo <strong>de</strong> 3 anos. 239<br />

3.<br />

ASPECTOS ESPECIAIS<br />

3.1. Tre<strong>de</strong>stinação<br />

Tre<strong>de</strong>stinação significa <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong>sconforme com o plano inicialmente previsto. A retrocessão se relaciona com a<br />

tre<strong>de</strong>stinação ilícita, qual seja, aquela pela qual o Estado, <strong>de</strong>sistindo <strong>dos</strong> fins da <strong>de</strong>sapropriação, transfere a terceiro o bem<br />

<strong>de</strong>sapropriado ou pratica <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>, permitindo que alguém se beneficie <strong>de</strong> sua utilização. Esses aspectos <strong>de</strong>notam<br />

realmente a <strong>de</strong>sistência da <strong>de</strong>sapropriação.<br />

Na verda<strong>de</strong>, é fácil perceber que, se o Po<strong>de</strong>r Público não utiliza o bem <strong>de</strong>sapropriado para o fim a que se comprometeu à<br />

época da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública, comete fatalmente <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>, tornando ilegítima a <strong>de</strong>sapropriação. Em<br />

hipótese interessante <strong>de</strong>cidida pela Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Paraná, foi <strong>de</strong>sapropriada certa área para ampliação <strong>de</strong> distrito<br />

industrial, mas o expropriante, ao invés <strong>de</strong> implementar o fim administrativo, <strong>de</strong>u permissão provisória a que certa empresa<br />

utilizasse a área, tendo esta chegado ao ápice <strong>de</strong> vendê-la a terceiro. O certo é que, ao fim <strong>de</strong> quatro anos, não só não havia sido<br />

estendido o distrito industrial, como ainda a área se havia transformado em <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> lixo, fato que evi<strong>de</strong>nciava, em última<br />

análise, a <strong>de</strong>sistência da <strong>de</strong>sapropriação em virtu<strong>de</strong> da ocorrência <strong>de</strong> fatos incompatíveis com o anterior objetivo do expropriante<br />

e insofismável tre<strong>de</strong>stinação ilícita. Na <strong>de</strong>cisão, o Tribunal, a nosso ver irrepreensivelmente, julgou proce<strong>de</strong>nte a ação do exproprietário<br />

“para <strong>de</strong>cretar a nulida<strong>de</strong> do ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação, reintegrar os autores na posse do imóvel e con<strong>de</strong>nar o réu a<br />

in<strong>de</strong>nizar lucros cessantes”. 240<br />

Não obstante, há uma tre<strong>de</strong>stinação lícita, aquela que ocorre quando, persistindo o interesse público, o expropriante<br />

dispense ao bem <strong>de</strong>sapropriado <strong>de</strong>stino diverso do que planejara no início. É o caso, por exemplo, em que a <strong>de</strong>sapropriação se<br />

<strong>de</strong>stinava à construção <strong>de</strong> um posto <strong>de</strong> assistência médica, e o Estado <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> construir um estabelecimento <strong>de</strong> ensino. Nesse caso,<br />

o motivo expropriatório continua revestido <strong>de</strong> interesse público, tendo-se alterado apenas um aspecto específico situado <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>sse mesmo interesse público. 241 Nenhuma ilicitu<strong>de</strong> há, por conseguinte, na hipótese. O novo Código Civil, como já vimos,<br />

incluiu expressamente a hipótese no art. 519, <strong>de</strong>monstrando que não haverá ilicitu<strong>de</strong> se no bem <strong>de</strong>sapropriado houver utilização<br />

em obras ou serviços públicos, o que significa dizer em outras palavras que será lícita a tre<strong>de</strong>stinação se o uso do bem estiver<br />

a<strong>de</strong>quado a alguma finalida<strong>de</strong> pública. 242<br />

Há hipóteses legais em que é vedada a tre<strong>de</strong>stinação. Foram elas introduzidas no direito positivo em virtu<strong>de</strong> do interesse<br />

público prevalente que inspirou o objetivo da <strong>de</strong>sapropriação. É o que ocorre com o art. 5 o , § 3 o , do Decreto-lei n o 3.365/1941,<br />

introduzido pela Lei n o 9.785, <strong>de</strong> 29.1.1999. Assim, se o imóvel for <strong>de</strong>sapropriado para implantação <strong>de</strong> parcelamento popular,<br />

<strong>de</strong>stinado a classes <strong>de</strong> menor renda, não po<strong>de</strong>rá haver qualquer outra utilização, nem haverá retrocessão. A nova regra enuncia

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