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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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Esse princípio indica que os serviços públicos não <strong>de</strong>vem sofrer interrupção, ou seja, sua prestação <strong>de</strong>ve ser contínua para<br />

evitar que a paralisação provoque, como às vezes ocorre, colapso nas múltiplas ativida<strong>de</strong>s particulares. A continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve<br />

estimular o Estado ao aperfeiçoamento e à extensão do serviço, recorrendo, quando necessário, às mo<strong>de</strong>rnas tecnologias,<br />

a<strong>de</strong>quadas à adaptação da ativida<strong>de</strong> às novas exigências sociais.<br />

Merece <strong>de</strong>staque, nesse passo, breve consi<strong>de</strong>ração sobre a suspensão do serviço público, matéria que tem trazido algumas<br />

discrepâncias nos Tribunais e entre os juristas.<br />

O assunto <strong>de</strong>ve ser examinado sob dois ângulos. O primeiro consiste na hipótese em que o usuário do serviço <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

observar os requisitos técnicos para a prestação. Nesse caso, o Po<strong>de</strong>r Público po<strong>de</strong> suspen<strong>de</strong>r a prestação do serviço, pois que,<br />

se lhe incumbe prestá-lo, compete ao particular beneficiário aparelhar-se <strong>de</strong>vidamente para possibilitar a prestação.<br />

Rea<strong>de</strong>quando-se às necessida<strong>de</strong>s técnicas ensejadoras do recebimento do serviço, o usuário tem o direito a vê-lo restabelecido.<br />

Solução diversa ocorre quando o usuário <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> pagar o serviço. A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> algumas divergências, e com o abono <strong>de</strong><br />

alguns estudiosos, enten<strong>de</strong>mos que se <strong>de</strong>vam distinguir os serviços compulsórios e os facultativos. Se o serviço for facultativo,<br />

o Po<strong>de</strong>r Público po<strong>de</strong> suspen<strong>de</strong>r-lhe a prestação no caso <strong>de</strong> não pagamento, o que guarda coerência com a facultativida<strong>de</strong> em<br />

sua obtenção. É o que suce<strong>de</strong>, por exemplo, com os serviços presta<strong>dos</strong> por concessionários, cuja suspensão é expressamente<br />

autorizada pela Lei n o 8.987/1995, que dispõe sobre concessões <strong>de</strong> serviços públicos (art. 6 o , § 3 o , II). 29 Tratando-se, no entanto,<br />

<strong>de</strong> serviço compulsório, não será permitida a suspensão, e isso não somente porque o Estado o impôs coercitivamente, como<br />

também porque, sendo remunerado por taxa, tem a Fazenda mecanismos privilegia<strong>dos</strong> para cobrança da dívida. Tais soluções<br />

são as que nos parecem mais compatíveis na relação Estado-usuário.<br />

A suspensão do serviço po<strong>de</strong> <strong>de</strong>correr também <strong>de</strong> situação <strong>de</strong> emergência, ou, após prévio aviso, por razões técnicas ou <strong>de</strong><br />

segurança nas instalações. A interrupção, nessa hipótese, não se caracteriza como <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> do serviço e, por isso, o<br />

prestador não fere o princípio da continuida<strong>de</strong>. 30 Incorrerá em ilicitu<strong>de</strong>, porém, se, não havendo emergência, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> efetuar a<br />

prévia comunicação pública sobre a paralisação temporária do serviço.<br />

Desperta alguma controvérsia a questão relativa à in<strong>de</strong>nização pelo prestador no caso <strong>de</strong> suspensão do serviço por motivos<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m técnica. Po<strong>de</strong> a lei estabelecer limite <strong>de</strong> tolerância para que o serviço seja licitamente interrompido, ou <strong>de</strong>legar à<br />

Administração o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fazê-lo. Contudo, no silêncio da lei, enten<strong>de</strong>mos que o usuário <strong>de</strong>ve ser in<strong>de</strong>nizado pelos prejuízos<br />

que comprovar, <strong>de</strong>correntes da paralisação, ainda que o executor tenha feito a comunicação prévia. O fundamento resi<strong>de</strong> não<br />

somente na responsabilida<strong>de</strong> objetiva baseada no risco administrativo, a que se sujeita o fornecedor do serviço ex vi do art. 37, §<br />

6 o , da CF, como também no Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor, pelo qual o fornecedor respon<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> culpa,<br />

pela reparação <strong>de</strong> danos ao consumidor por <strong>de</strong>feitos relativos à prestação do serviço (art. 14). 31 A responsabilida<strong>de</strong> só estará<br />

excluída se a suspensão for provocada por fatos da natureza (tempesta<strong>de</strong>s, raios etc.) ou <strong>de</strong> terceiros (furto <strong>de</strong> fiação, por<br />

exemplo).<br />

A <strong>de</strong>speito da funda controvérsia que lavra a respeito do tema, a doutrina tem consignado que os serviços públicos<br />

específicos e divisíveis po<strong>de</strong>m ser remunera<strong>dos</strong> por taxa ou por preço (do qual a tarifa é uma das modalida<strong>de</strong>s). No primeiro<br />

caso, os serviços são presta<strong>dos</strong> pelo Estado investido <strong>de</strong> seu ius imperii, sendo inerentes à sua soberania, <strong>de</strong> forma que não<br />

po<strong>de</strong>m ser transferi<strong>dos</strong> ao particular, pois que, afinal, visam apenas a cobrir os custos da execução (ex.: taxa <strong>de</strong> incêndio ou taxa<br />

judiciária); no segundo, a remuneração tem natureza contratual, e os serviços, que possibilitam a obtenção <strong>de</strong> lucros, po<strong>de</strong>m ser<br />

<strong>de</strong>lega<strong>dos</strong> a particulares, e o próprio Estado, quando os executa, <strong>de</strong>spe-se <strong>de</strong> sua potesta<strong>de</strong>, atuando como particular (tarifas <strong>de</strong><br />

transportes, <strong>de</strong> energia elétrica, <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> linha telefônica ou, com algumas divergências, <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> água). 32<br />

No que tange ao serviço <strong>de</strong> abastecimento <strong>de</strong> água, tem havido muitas divergências quanto à suspensivida<strong>de</strong>, ou não, do<br />

serviço. Há entendimentos no sentido <strong>de</strong> que não po<strong>de</strong> ser suspenso pelo prestador porque é imposto obrigatoriamente pelo<br />

Po<strong>de</strong>r Público e remunerado por taxa. 33 Há, inclusive, <strong>de</strong>cisões judiciais nesse mesmo sentido. 34<br />

Enten<strong>de</strong>mos, todavia, que diversa é a tendência atual, porque, diante das várias privatizações <strong>de</strong>sse serviço através do<br />

regime <strong>de</strong> concessão, passou a ativida<strong>de</strong> a ter maior caráter negocial, sendo paga, portanto, por tarifa, e, <strong>de</strong>sse modo, suscetível<br />

<strong>de</strong> suspensão por falta <strong>de</strong> pagamento. Já há, inclusive, algumas <strong>de</strong>cisões adotando essa posição. O próprio STF, reiterando<br />

posição já assumida anteriormente, <strong>de</strong>cidiu expressamente que remuneração do serviço <strong>de</strong> água se caracteriza como preço<br />

público (tarifa) e, por via <strong>de</strong> consequência, não tem natureza tributária, po<strong>de</strong>ndo, assim, ser fixado por <strong>de</strong>creto do Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo. 35 Parece-nos ser essa, realmente, a melhor orientação. 36<br />

O STJ não discrepou <strong>de</strong>ssa posição, bem equacionando a questão. Admitindo a interrupção do fornecimento em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

inadimplemento do usuário, enten<strong>de</strong>u que a norma <strong>de</strong> incidência não seria a do art. 22 do Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor,<br />

que prevê a continuida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> serviços essenciais, mas sim a do art. 6 o , § 3 o , II, da Lei n o 8.987/1995, que, disciplinando as<br />

concessões <strong>de</strong> serviços públicos, autoriza expressamente aquela providência por parte do concessionário. 37 Levada a questão à<br />

o 38

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