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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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A distinção entre a concessão <strong>de</strong> uso especial para fins <strong>de</strong> moradia e o usucapião especial urbano, quanto aos pressupostos,<br />

resi<strong>de</strong> em dois pontos: (1 o ) nesta o objeto é imóvel privado, ao passo que naquela é imóvel público (fe<strong>de</strong>ral, estadual, distrital ou<br />

municipal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que regular a ocupação, como reza o art. 3 o ); (2 o ) na concessão só se conferiu o direito ao possuidor se os<br />

pressupostos foram atendi<strong>dos</strong> até 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2001, ao passo que no usucapião não foi previsto termo final para a aquisição do<br />

direito. Significa que, se o indivíduo, naquela data, tinha a posse do imóvel público por quatro anos, por exemplo, não adquirirá o<br />

direito à concessão <strong>de</strong> uso especial.<br />

A propósito, é oportuno enfatizar que a previsão em lei municipal <strong>de</strong> módulo urbanístico com área superior à prevista para<br />

os institutos anteriormente cita<strong>dos</strong> (250 m 2 ) não impe<strong>de</strong> que o possuidor, preenchi<strong>dos</strong> os <strong>de</strong>mais requisitos, tenha o direito à<br />

usucapião urbana, e isso porque os elementos do direito subjetivo têm <strong>de</strong>finição no art. 183 da CF. Além do mais, o tecido social<br />

do instituto <strong>de</strong>ve prepon<strong>de</strong>rar sobre o formalismo <strong>de</strong> leis locais urbanísticas. 134 Em razão <strong>de</strong> idêntica fisionomia e da mesma ratio<br />

essendi, igual solução <strong>de</strong>ve aplicar-se à concessão <strong>de</strong> uso especial para fins <strong>de</strong> moradia.<br />

Na esfera fe<strong>de</strong>ral, a concessão <strong>de</strong> uso especial para fins <strong>de</strong> moradia aplica-se às áreas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da União, alcançando,<br />

inclusive, os terrenos <strong>de</strong> marinha e acresci<strong>dos</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, obviamente, os ocupantes preencham os requisitos estabeleci<strong>dos</strong> na<br />

MP n o 2.220/2001. A lei, todavia, veda a incidência do instituto sobre imóveis funcionais, o que, porém, não impe<strong>de</strong>, como já<br />

vimos, sejam utiliza<strong>dos</strong> por força <strong>de</strong> outros institutos jurídicos. 135 Por outro lado, não há para o ocupante direito subjetivo à<br />

concessão em foco relativa à ocupação <strong>de</strong> imóveis sob administração do Ministério da Defesa ou <strong>dos</strong> Coman<strong>dos</strong> da Marinha, do<br />

Exército e da Aeronáutica; tais imóveis são consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> <strong>de</strong> interesse da <strong>de</strong>fesa nacional, o que permite que a Administração<br />

transfira a concessão para outra área (art. 5 o , III, do Estatuto da Cida<strong>de</strong>). 136<br />

A legislação era omissa a respeito da natureza do direito oriundo da concessão sob exame, muito embora sua fisionomia<br />

fosse a <strong>de</strong> direito real, como sustentamos em edições anteriores. Atualmente, a concessão <strong>de</strong> uso especial para fins <strong>de</strong> moradia<br />

está expressamente mencionada na relação <strong>dos</strong> direitos reais contida no Código Civil (art. 1.225, XI, com a alteração da Lei n o<br />

11.481, <strong>de</strong> 31.5.2007). Por outro lado, o direito passou a estar entre aqueles que po<strong>de</strong>m ser objeto <strong>de</strong> hipoteca, como registra o<br />

art. 1.473, VIII, do Código Civil. 137 A<strong>de</strong>mais, o direito <strong>de</strong> uso especial para fins <strong>de</strong> moradia tem idoneida<strong>de</strong> para figurar como<br />

objeto <strong>de</strong> alienação fiduciária, po<strong>de</strong>ndo, portanto, o <strong>de</strong>vedor transferi-lo, <strong>de</strong> forma resolúvel, ao credor como instrumento <strong>de</strong><br />

garantia contratual. 138<br />

Além disso, o título da concessão, seja ele formalizado por termo administrativo, seja por sentença judicial, reclama registro<br />

no Cartório do Registro <strong>de</strong> Imóveis. 139 Devidamente regularizada, a concessão po<strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> garantia real, cominando-se<br />

aos agentes financeiros do sistema financeiro da habitação a obrigação <strong>de</strong> aceitá-la. 140 A concessão em foco, porém, distingue-se<br />

da concessão <strong>de</strong> direito real <strong>de</strong> uso prevista no Decreto-lei n o 271/1967 pela circunstância <strong>de</strong> que é ela conferida para a finalida<strong>de</strong><br />

exclusiva <strong>de</strong> moradia, o que não ocorre nesta última, em que há outras finalida<strong>de</strong>s do uso, como visto anteriormente. Para ambos<br />

os institutos, no entanto, a lei garante que, na execução, a alienação <strong>de</strong> imóvel sobre o qual tenham sido instituídas as concessões<br />

será ineficaz no caso <strong>de</strong> não intimação do concessionário (art. 804, § 4º, CPC).<br />

Outro aspecto que nos parece relevante no tema diz respeito à natureza jurídica do instituto no que concerne à forma jurídica<br />

<strong>de</strong> que se reveste. Ao exame do regime jurídico <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> concessões, que tem lineamentos singulares, está claro que o<br />

legislador atribuiu à Administração ativida<strong>de</strong> vinculada para o fim <strong>de</strong> reconhecer ao ocupante o direito subjetivo à concessão<br />

para moradia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que cumpri<strong>dos</strong> os requisitos legais. Quer dizer: cumprido o suporte fático do direito pelo ocupante, outra<br />

conduta não se espera da Administração senão a <strong>de</strong> outorgar a concessão. A lei não lhe outorgou qualquer margem <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />

para <strong>de</strong>cidir sobre a outorga ou não da concessão. Ora, justamente por isso é que a concessão <strong>de</strong> uso especial para fins <strong>de</strong><br />

moradia só po<strong>de</strong> ostentar a natureza jurídica <strong>de</strong> ato administrativo vinculado, e não <strong>de</strong> contrato administrativo, como po<strong>de</strong>ria<br />

parecer à primeira vista em razão do que suce<strong>de</strong> nas <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> concessão.<br />

Há mais <strong>de</strong> uma razão para tal fisionomia.<br />

Primeiramente, inexiste qualquer tipo <strong>de</strong> negócio jurídico bilateral que ao menos <strong>de</strong>nuncie a celebração <strong>de</strong> contrato. Depois,<br />

não há como se admitir contrato administrativo em que a Administração seja obrigada à celebração. Note-se que a hipótese não é<br />

a mesma que ocorre nos contratos administrativos, em que o vencedor da licitação, sendo esta homologada, tem direito subjetivo<br />

ao contrato (arts. 49 e 50 da Lei n o 8.666/1993). Mesmo quando tal ocorre, é possível, diante <strong>de</strong> razões <strong>de</strong> interesse público, que a<br />

Administração não firme o contrato, embora <strong>de</strong>va arcar com as consequências pecuniárias. Não é o que acontece com a<br />

concessão em foco: preenchi<strong>dos</strong> os requisitos pelo ocupante, tem ele direito subjetivo à concessão. Se a Administração opuser<br />

algum interesse público incontornável para a outorga, terá que in<strong>de</strong>nizar integralmente o concessionário, como o faria se o caso<br />

fosse <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação.<br />

Por último, essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão tem o mesmo suporte jurídico básico do usucapião especial <strong>de</strong> imóvel urbano<br />

para fins <strong>de</strong> moradia, instituto que, obviamente, está distante <strong>de</strong> qualquer concepção contratual. Em suma, se o instituto tem<br />

linhas específicas e regime jurídico próprio, o que <strong>de</strong>ve prevalecer é o seu conteúdo, e não a <strong>de</strong>nominação, que po<strong>de</strong> conduzir a

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