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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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15.1. Agências Reguladoras<br />

A Lei n o 9.491, <strong>de</strong> 9.9.1997 (que revogou a Lei n o 8.031, <strong>de</strong> 12.4.1990), instituiu o Plano Nacional <strong>de</strong> Desestatização –<br />

PND, com o objetivo estratégico <strong>de</strong>, entre outros fins, reduzir o <strong>de</strong>ficit público e sanear as finanças governamentais, para tanto<br />

transferindo à iniciativa privada ativida<strong>de</strong>s que o Estado exercia <strong>de</strong> forma dispendiosa e in<strong>de</strong>vida. To<strong>dos</strong> os parâmetros foram<br />

traça<strong>dos</strong> na lei para cumprimento pela Administração Pública, sem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sviar-se <strong>dos</strong> objetivos nela fixa<strong>dos</strong>. 98<br />

Uma das formas <strong>de</strong> implementar a referida transferência consistiu no processo <strong>de</strong> privatização, pelo qual se antevia a<br />

alienação, a pessoas da iniciativa privada, <strong>de</strong> direitos pertencentes ao Governo Fe<strong>de</strong>ral que lhe asseguravam a prepon<strong>de</strong>rância<br />

nas <strong>de</strong>liberações sociais e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> eleger a maioria <strong>dos</strong> administradores da socieda<strong>de</strong>. As antigas pessoas paraestatais se<br />

transformariam, <strong>de</strong>sse modo, em pessoas do setor exclusivamente privado, ou, em outras palavras, convertia-se o processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scentralização por <strong>de</strong>legação legal, do qual resultavam as entida<strong>de</strong>s da administração indireta, em <strong>de</strong>scentralização por<br />

<strong>de</strong>legação negocial, já que as novas pessoas <strong>de</strong>sempenhariam suas ativida<strong>de</strong>s através do sistema da concessão <strong>de</strong> serviços<br />

públicos.<br />

O afastamento do Estado, porém, <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s haveria <strong>de</strong> exigir a instituição <strong>de</strong> órgãos reguladores, como, aliás,<br />

passou a constar do art. 21, XI, da CF, com a redação da EC n o 8/1995, e do art. 177, § 2 o , III, com a redação da EC n o 9/1995.<br />

Pela natureza da função a ser exercida, foram então criadas, sob a forma <strong>de</strong> autarquias (agências autárquicas ou governamentais),<br />

as <strong>de</strong>nominadas agências reguladoras, entida<strong>de</strong>s com típica função <strong>de</strong> controle. Vieram à tona a ANEEL – Agência Nacional <strong>de</strong><br />

Energia Elétrica, criada pela Lei n o 9.427, <strong>de</strong> 26.12.1996; a ANATEL – Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações, pela Lei n o<br />

9.472, <strong>de</strong> 16.7.1997; e a ANP – Agência Nacional do Petróleo, pela Lei n o 9.478, <strong>de</strong> 6.8.1997.<br />

A essas autarquias reguladoras foi atribuída a função principal <strong>de</strong> controlar, em toda a sua extensão, a prestação <strong>dos</strong><br />

serviços públicos e o exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a<br />

executá-los, inclusive impondo sua a<strong>de</strong>quação aos fins colima<strong>dos</strong> pelo Governo e às estratégias econômicas e administrativas<br />

que inspiraram o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestatização.<br />

Po<strong>de</strong> mesmo afirmar-se, sem receio <strong>de</strong> errar, que tais autarquias <strong>de</strong>verão ser fortes e atentas à área sob seu controle. Sem<br />

isso, surgirá o inevitável risco <strong>de</strong> que pessoas privadas pratiquem abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r econômico, visando à dominação <strong>dos</strong> merca<strong>dos</strong><br />

e à eliminação da concorrência, provocando aumento arbitrário <strong>de</strong> seus lucros. 99 A Constituição já caracterizou essas formas <strong>de</strong><br />

abuso (art. 173, § 4 o ), cabendo, <strong>de</strong>ssa maneira, às novas agências autárquicas a relevante função <strong>de</strong> controle <strong>dos</strong> serviços e<br />

ativida<strong>de</strong>s exerci<strong>dos</strong> sob o regime da concessão.<br />

Além das já citadas, foram criadas outras agências: a) ANVISA – Agência Nacional <strong>de</strong> Vigilância Sanitária (Lei nº<br />

9.782/1999); b) ANS – Agência Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Suplementar (Lei nº 9.961/2000); c) ANA – Agência Nacional <strong>de</strong> Águas<br />

(Lei nº 9.984/2000); d) ANTT – Agência Nacional <strong>de</strong> Transportes Terrestres e ANTAq – Agência Nacional <strong>de</strong> Transportes<br />

Aquaviários (Lei nº 10.233/2001); e) ANCINE – Agência Nacional <strong>de</strong> Cinema (MP 2.228/2001); e ANAC – Agência Nacional<br />

<strong>de</strong> Aviação Civil (Lei nº 11.182/2005). Em todas elas – insista-se – o objetivo comum é o <strong>de</strong> exercer controle sobre ativida<strong>de</strong>s e<br />

serviços presta<strong>dos</strong> por particulares, investidas na potesta<strong>de</strong> pública necessária a tal <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato.<br />

Registre-se, ainda, que há autarquias que, conquanto não instituídas com tal nomenclatura, são consi<strong>de</strong>radas agências<br />

reguladoras, não apenas pela função <strong>de</strong> controle que executam, como também pela similarida<strong>de</strong> quanto à fisionomia jurídica das<br />

entida<strong>de</strong>s. 100<br />

A propósito, a relação jurídica entre a agência reguladora e as entida<strong>de</strong>s privadas sob seu controle tem gerado estu<strong>dos</strong> e<br />

<strong>de</strong>cisões quanto à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afastar in<strong>de</strong>vidas influências <strong>de</strong>stas últimas sobre a atuação da primeira, <strong>de</strong> modo a beneficiarse<br />

as empresas em <strong>de</strong>sfavor <strong>dos</strong> usuários do serviço. É o que a mo<strong>de</strong>rna doutrina <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> teoria da captura (“capture<br />

theory”, na doutrina americana), pela qual se busca impedir uma vinculação promíscua entre a agência, <strong>de</strong> um lado, e o governo<br />

instituidor ou os entes regula<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> outro, com flagrante comprometimento da in<strong>de</strong>pendência da pessoa controladora. 101 Em<br />

controvérsia apreciada pelo Judiciário, já se <strong>de</strong>cidiu no sentido <strong>de</strong> obstar a nomeação, para vagas do Conselho Consultivo <strong>de</strong><br />

agência reguladora, <strong>de</strong>stinadas à representação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s voltadas para os usuários, <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas pessoas que haviam<br />

ocupado cargos em empresas concessionárias, tendo-se inspirado a <strong>de</strong>cisão na evi<strong>de</strong>nte suspeição que o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> tais<br />

agentes po<strong>de</strong>ria ocasionar. 102 Tal <strong>de</strong>cisão, aliás, reflete inegável avanço no que tange ao controle judicial sobre atos<br />

discricionários, que, embora formalmente legítimos, se encontram contamina<strong>dos</strong> por eventual ofensa aos princípios da<br />

razoabilida<strong>de</strong> e proporcionalida<strong>de</strong>.<br />

Neste passo, cabe reiterar o que acentuamos anteriormente: o sistema verda<strong>de</strong>iro das agências reguladoras implica lhes seja<br />

outorgada certa in<strong>de</strong>pendência em relação ao governo no que tange a vários aspectos <strong>de</strong> sua atuação. Se há interferência política<br />

do governo, o sistema per<strong>de</strong> a sua pureza e vocação. Aqui e ali, no entanto, têm surgido investidas e escaramuças <strong>de</strong> órgãos<br />

governamentais, com o propósito <strong>de</strong> reduzir o po<strong>de</strong>r daquelas entida<strong>de</strong>s, e esse tipo <strong>de</strong> ingerência <strong>de</strong>nota flagrante distorção no

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