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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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Tem sido usualmente admitida na Administração a <strong>de</strong>nominada transformação <strong>de</strong> cargos “sem aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa”,<br />

implementada por atos administrativos oriun<strong>dos</strong> <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s dirigentes <strong>de</strong> pessoas e órgãos públicos, através <strong>dos</strong> quais se<br />

extinguem alguns cargos e se criam outros com <strong>de</strong>spesa correspon<strong>de</strong>nte à daqueles. Na verda<strong>de</strong>, não se trata propriamente, no<br />

caso, <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong> cargos, a ser prevista em lei, mas sim <strong>de</strong> mera reorganização interna muito mais <strong>de</strong> caráter<br />

administrativo. Tal procedimento, aliás, restou sufragado pela EC n o 32/2001, que, alterando o art. 84, da CF, conferiu ao<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República (e aos <strong>de</strong>mais Chefes <strong>de</strong> Executivo) competência para dispor, mediante <strong>de</strong>creto, sobre organização e<br />

funcionamento da administração, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não haja aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa nem criação ou extinção <strong>de</strong> órgãos públicos. 91<br />

Em nosso enten<strong>de</strong>r, contudo, essa reorganização tem limites para o Administrador, sendo vedado, a pretexto <strong>de</strong> executá-la,<br />

alterar tão profundamente a estrutura funcional do órgão que <strong>de</strong>la possa resultar a sua <strong>de</strong>sfiguração, com extinção <strong>de</strong> carreiras e<br />

criação <strong>de</strong> novos cargos, sem que haja autorização legal. Da mesma forma, não po<strong>de</strong> um ato administrativo mudar atribuições<br />

<strong>dos</strong> cargos para os quais seus titulares se habilitaram por concurso: isso refletiria <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong> e, indiretamente, retrataria<br />

transformação do cargo. Alterações <strong>de</strong>ssa natureza somente po<strong>de</strong>m perpetrar-se por meio <strong>de</strong> lei formal, como já se <strong>de</strong>cidiu<br />

corretamente. 92<br />

No que se refere aos cargos em comissão, impõe-se observar – já antecipamos – que, <strong>de</strong> acordo com o art. 37, II, da CF,<br />

suas funções limitam-se às <strong>de</strong> chefia, direção e assessoramento, funções essas que, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> especificida<strong>de</strong>s funcionais,<br />

ostentam certo <strong>de</strong>staque nos quadros <strong>de</strong> servidores. Assim, a lei não po<strong>de</strong> criar cargos <strong>de</strong>ssa natureza para funções permanentes<br />

ou <strong>de</strong> rotina administrativa, próprias das carreiras regulares e <strong>dos</strong> cargos efetivos. O <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong> da lei com essa<br />

configuração qualifica-a como inconstitucional, evi<strong>de</strong>nciando in<strong>de</strong>sejável burla ao mandamento constitucional. 93<br />

Em outra vertente, <strong>de</strong>ve-se anotar que o art. 48 da CF dispensa a sanção do Presi<strong>de</strong>nte nos casos <strong>dos</strong> arts. 49, 51 e 52, que<br />

dispõem, respectivamente, sobre a competência do Congresso, da Câmara <strong>dos</strong> Deputa<strong>dos</strong> e do Senado Fe<strong>de</strong>ral. Os arts. 51, IV,<br />

e 52, XIII, a seu turno, autorizam a Câmara e o Senado, respectivamente, a dispor sobre sua organização e sobre a criação,<br />

transformação e extinção <strong>de</strong> seus cargos. Resulta <strong>de</strong> todo esse quadro normativo que esses fatos relativos aos cargos, quando se<br />

trata da organização funcional da Câmara e do Senado, não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> lei, como nos <strong>de</strong>mais casos. Em consequência, seus<br />

cargos são cria<strong>dos</strong>, transforma<strong>dos</strong> e extintos através <strong>de</strong> resolução. 94<br />

Como os Po<strong>de</strong>res são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, releva examinar a questão da iniciativa das leis que visem a criação, transformação e<br />

extinção <strong>dos</strong> cargos públicos. No caso <strong>de</strong> cargos do Executivo, a iniciativa da lei é privativa do Chefe <strong>de</strong>sse Po<strong>de</strong>r (art. 61, § 1 o ,<br />

II, a, CF). No que toca ao Judiciário, a iniciativa cabe ao Tribunal interessado, não só em relação aos cargos da estrutura <strong>de</strong><br />

apoio administrativo, como também os próprios cargos da Magistratura (art. 96, II, b, CF). A regra pertinente ao Judiciário é<br />

aplicável aos casos <strong>de</strong> cargos <strong>dos</strong> Tribunais <strong>de</strong> Contas: a iniciativa cabe a cada um <strong>de</strong>sses Tribunais. O Ministério Público, por<br />

sua vez, foi erigido à categoria <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> orgânica in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte; por esse motivo, o art. 127, § 2 o , da CF estabeleceu que cabe<br />

à Instituição, logicamente através <strong>de</strong> seu Procurador-Geral, propor ao Legislativo a criação, transformação e extinção <strong>dos</strong> cargos<br />

<strong>de</strong> sua estrutura institucional básica (Promotor <strong>de</strong> Justiça, Procurador etc.) e também <strong>dos</strong> cargos integrantes da organização <strong>de</strong><br />

apoio, <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> serviços auxiliares. 95 Idêntico perfil foi conferido à Defensoria Pública, dotada igualmente <strong>de</strong> autonomia<br />

funcional e administrativa (art. 134, § 2 o , CF). Em consequência, cabe-lhe a iniciativa das leis que criem cargos para seus<br />

membros e serviços auxiliares. 96 No Legislativo, já se viu, não há o problema <strong>de</strong> iniciativa; os cargos são cria<strong>dos</strong> e extintos por<br />

atos internos <strong>de</strong>sse Po<strong>de</strong>r.<br />

É importante <strong>de</strong>stacar que o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> iniciativa para a criação ou reestruturação funcional <strong>de</strong> cargos e carreiras se aloja no<br />

âmbito <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada titular, cabendo-­lhe o exame da conveniência e oportunida<strong>de</strong> para tomar aquela<br />

providência. Em que pese a evidência <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r administrativo, algumas ações têm sido propostas – sobretudo a ação civil<br />

pública, frequentemente mal utilizada – com a pretensão <strong>de</strong> obter mandamento judicial para tal exercício da ativida<strong>de</strong><br />

discricionária. Com muita luci<strong>de</strong>z e técnica, os Tribunais têm rechaçado tal pretensão sob o fundamento <strong>de</strong> que não é lícito ao<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, em ação <strong>de</strong> conhecimento, atrair para si a <strong>de</strong>liberação <strong>de</strong> atos da Administração, sob pena <strong>de</strong> violação do<br />

princípio constitucional da inter<strong>de</strong>pendência <strong>dos</strong> Po<strong>de</strong>res do Estado, sendo, pois, “inadmissível compelir o Po<strong>de</strong>r Executivo, por<br />

meio <strong>de</strong> ação civil pública, com preceito cominatório <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer, a remeter ao Po<strong>de</strong>r Legislativo mensagem<br />

dispondo sobre a criação e estruturação <strong>de</strong> carreira <strong>de</strong> cargos públicos”. 97 O STJ também já proclamou que “a <strong>de</strong>cisão<br />

judicial que intervém na adminis­tração pública <strong>de</strong>terminando a contratação <strong>de</strong> servidores públicos em caráter precário é<br />

flagrantemente ilegítima”. 98<br />

Não obstante, afigura-se flagrantemente inconstitucional a criação <strong>de</strong> cargos em comissão em número excessivo e<br />

<strong>de</strong>sproporcional ao quantitativo <strong>dos</strong> cargos efetivos, fato que <strong>de</strong>nuncia claramente o propósito <strong>de</strong> favorecimento <strong>de</strong> alguns<br />

poucos apanigua<strong>dos</strong>, frequentemente por interesses políticos. 99 Da mesma forma, é inconstitucional a lei que cria cargos em<br />

comissão com atribuições incompatíveis com o regime <strong>de</strong> livre nomeação e exoneração, isto é, funções que não sejam <strong>de</strong><br />

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