02.08.2017 Views

_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Por outro lado, estão obrigadas a realizar licitação antes <strong>de</strong> suas contratações, como o exige a Lei n 8.666/1993, que, <strong>de</strong><br />

forma clara, consigna que se subordinam a seu regime jurídico, além das pessoas da Administração Indireta, “as <strong>de</strong>mais<br />

entida<strong>de</strong>s controladas direta ou indiretamente pela União, Esta<strong>dos</strong>, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios” (art. 1º, parágrafo único).<br />

O Tribunal <strong>de</strong> Contas da União perfilhava esse mesmo entendimento, adotando-o em várias <strong>de</strong>cisões proferidas em<br />

processos relativos às entida<strong>de</strong>s em foco. 218 Posteriormente, no entanto, mudou radicalmente tal pensamento, excluindo-as da<br />

incidência da Lei n o 8.666/1993. Foram invoca<strong>dos</strong>, basicamente, os seguintes argumentos: (a) o art. 22, XXVII, da CF, só dirige<br />

o princípio da obrigatorieda<strong>de</strong> da licitação à administração direta e indireta, na qual não estão as pessoas <strong>de</strong> cooperação<br />

governamental; (b) a Lei n o 8.666/1993 não po<strong>de</strong>ria alargar o seu alcance para abrangê-las em seu raio <strong>de</strong> incidência; (c) a<br />

expressão “entida<strong>de</strong>s controladas” só é aplicável a empresas públicas e socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista, nos termos do art. 243, §<br />

2 o , da Lei n o 6.404/1976 (Lei das Socieda<strong>de</strong>s Anônimas). 219<br />

Há que ser respeitada a nova posição do TCU, mas <strong>de</strong>la ousamos dissentir. Os argumentos invoca<strong>dos</strong>, concessa venia, não<br />

nos convencem. Primeiramente, o fato <strong>de</strong> o art. 22, XXVII, da CF, aludir apenas à administração direta e indireta não exclui a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o legislador exigir que outras pessoas se submetam também à Lei n 8.666/1993. Afinal, se a própria lei<br />

autorizou a criação <strong>de</strong> tais pessoas, nada impediria que instituísse mecanismos especiais <strong>de</strong> controle, pois que afinal todas têm<br />

algum elo com o Po<strong>de</strong>r Público. Desse modo, o Estatuto, como lei fe<strong>de</strong>ral que é, po<strong>de</strong>ria alargar o alcance do dispositivo<br />

constitucional para incidir sobre tais entida<strong>de</strong>s (como o fez realmente no art. 1, parágrafo único), por isso que a Constituição em<br />

nenhum momento limitou a lei licitatória apenas às pessoas da Administração Direta e Indireta; exigiu-se tão somente que para<br />

estas sempre haveria subordinação ao Estatuto.<br />

Por fim, não se nos afigura correto o entendimento <strong>de</strong> que a expressão “controladas indiretamente” se refira somente às<br />

socieda<strong>de</strong>s reguladas pela Lei n o 6.404/1976. A circunstância <strong>de</strong> as entida<strong>de</strong>s, embora organizadas pelo setor privado, terem sido<br />

previstas em lei, somada ao fato <strong>de</strong> lhes ter sido instituído o direito a contribuições parafiscais pagas obrigatoriamente pelos<br />

contribuintes, caracterizando-se como recursos públicos, é fundamento mais do que suficiente para submetê-las a controle do<br />

Po<strong>de</strong>r Público, e isso realmente ocorre em relação a suas contas, que, como vimos, sujeitam-se a controle do Tribunal <strong>de</strong> Contas.<br />

Aliás, se uma entida<strong>de</strong> aufere recursos pagos obrigatoriamente por terceiros, é <strong>de</strong> se esperar que seja fiscalizada pelo Po<strong>de</strong>r<br />

Público. Esse é um postulado antigo e inafastável do regime <strong>de</strong>mocrático. Daí nenhuma estranheza po<strong>de</strong> causar o fato <strong>de</strong> a lei<br />

submetê-las também a controle em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratos e licitações.<br />

Para <strong>de</strong>ixar bem clara a nossa posição, queremos <strong>de</strong>ixar registrado que não estamos questionando se é conveniente ou não<br />

que o Estatuto as alcance. Apenas estamos interpretando os dizeres da lei para enten<strong>de</strong>r que o texto legal, além <strong>de</strong> não ofen<strong>de</strong>r a<br />

Constituição, inclui realmente as pessoas <strong>de</strong> cooperação governamental. E que, se mudança tiver que acontecer, que o seja<br />

através <strong>de</strong> nova lei fe<strong>de</strong>ral, e não por interpretação dissonante do texto legal vigente. Em suma, parece-nos que a melhor<br />

interpretação era aquela que o Colendo TCU dispensava à matéria anteriormente.<br />

De qualquer forma, a solução adotada pelo TCU acabou sendo a <strong>de</strong> que tais entida<strong>de</strong>s não têm inteira liberda<strong>de</strong> na matéria,<br />

<strong>de</strong>vendo observar os princípios gerais e básicos da licitação pública, como a legalida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>, publicida<strong>de</strong><br />

e competitivida<strong>de</strong>, entre outros, os quais estão expressos, aliás, na Lei n o 8.666/1993, embora se tenha permitido que a edição <strong>de</strong><br />

regulamentos próprios, dota<strong>dos</strong> <strong>de</strong> menor complexida<strong>de</strong> procedimental, como o admite a Lei <strong>de</strong> Licitações no art. 119 e seu<br />

parágrafo único. A solução, <strong>de</strong>sse modo, culminou por harmonizar-se com esse dispositivo legal. Com esses parâmetros, o<br />

SENAI e o SESI editaram seus próprios regulamentos simplifica<strong>dos</strong> sobre a matéria.<br />

No que concerne ao foro no qual <strong>de</strong>vam tramitar os processos em que sejam autoras ou rés tais entida<strong>de</strong>s, já se pacificou o<br />

entendimento <strong>de</strong> que a competência é da Justiça estadual, já que se trata <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> direito privado e não integrantes formais<br />

da estrutura da Administração Pública. Nesse sentido, aliás, invoque-se a Súmula 516, do STF: “O Serviço Social da Indústria –<br />

SESI – está sujeito à jurisdição da Justiça Estadual.” 220 Segue-se, por conseguinte, que eventual mandado <strong>de</strong> segurança contra<br />

ato <strong>de</strong> agente <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>ssas pessoas, quando no exercício <strong>de</strong> função <strong>de</strong>legada, <strong>de</strong>ve ser processado e julgado no foro<br />

estadual <strong>de</strong> natureza cível, normalmente as varas cíveis, a menos que a organização judiciária estadual aponte juízo específico<br />

diverso.<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong>ssa tranquila orientação, ainda há um ou outro Tribunal que, equivocadamente, insiste em apontar a Justiça<br />

Fe<strong>de</strong>ral como competente para feitos que envolvam tais entida<strong>de</strong>s. 221 O próprio STJ, surpreen<strong>de</strong>ntemente, <strong>de</strong>cidiu que mandado<br />

<strong>de</strong> segurança impetrado contra dirigente do SENAI é da competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, invocando, como argumento, o fato <strong>de</strong><br />

que a contribuição adicional, prevista no art. 6 o do Decreto-lei n o 4.048/1942, foi criada pela União. 222 O fundamento é<br />

inconsistente, porquanto o citado diploma <strong>de</strong>legou ao próprio SENAI a arrecadação e a cobrança da referida contribuição,<br />

funções que não têm qualquer relação com as do governo fe<strong>de</strong>ral. Além disso, ofen<strong>de</strong> o art. 109, VIII, da CF, que prevê a<br />

competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral para processar e julgar manda<strong>dos</strong> <strong>de</strong> segurança contra autorida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral, o que, à evidência, não<br />

é o caso <strong>dos</strong> dirigentes <strong>dos</strong> serviços sociais autônomos. Vê-se, pois, que a confusão é geral até no Judiciário.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!