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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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natureza do uso, é significativamente variável o conteúdo da outorga, e isso porque variáveis são também as situações que a<br />

ensejam. 100<br />

O uso privativo po<strong>de</strong> alcançar qualquer das três categorias <strong>de</strong> bens públicos. Suponha-se, para exemplificar, o<br />

consentimento dado pelo Po<strong>de</strong>r Público para utilização da calçada por comerciante para a colocação <strong>de</strong> mesas e ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> bar.<br />

Ou certo boxe <strong>de</strong> mercado produtor pertencente ao Município, para uso privativo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado indivíduo. Ou, ainda, um<br />

prédio <strong>de</strong>sativado, cujo uso a um particular <strong>de</strong>terminado é autorizado pelo Estado. Estão aí exemplos <strong>de</strong> bem <strong>de</strong> uso comum do<br />

povo, <strong>de</strong> uso especial e dominical, to<strong>dos</strong> sujeitos a uso privativo.<br />

Anote-se, todavia, que os instrumentos emprega<strong>dos</strong> para o uso privativo, que estudaremos adiante, inci<strong>de</strong>m exclusivamente<br />

sobre bens públicos, qualquer que seja a sua natureza. Consequentemente, são impróprios para formalizar a utilização <strong>de</strong> bens<br />

priva<strong>dos</strong>, ainda que esses bens pertençam a pessoas administrativas. Por força <strong>de</strong>sse aspecto, não cabe a empresas públicas ou<br />

socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista emitir permissões <strong>de</strong> uso ou firmar concessões <strong>de</strong> uso, embora algumas <strong>de</strong>ssas entida<strong>de</strong>s<br />

in<strong>de</strong>vidamente o façam; <strong>de</strong>vem valer-se, isto sim, <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> direito privado, como o comodato, locação etc.<br />

Quatro são as características do uso especial privativo <strong>dos</strong> bens públicos.<br />

A primeira é a privativida<strong>de</strong> do uso. Significa que aquele que recebeu o consentimento estatal tem direito a usar sozinho o<br />

bem, afastando possíveis interessa<strong>dos</strong>. Se o uso é privativo, não admite a concorrência <strong>de</strong> outras pessoas.<br />

Outra característica é a instrumentalida<strong>de</strong> formal. O uso privativo não existe senão através <strong>de</strong> título jurídico formal, através<br />

do qual a Administração exprima seu consentimento. É nesse título que estarão fixadas as condições <strong>de</strong> uso, condições essas a<br />

que o administrado <strong>de</strong>ve se submeter estritamente.<br />

A terceira é a precarieda<strong>de</strong> do uso. Dizer-se que o uso é precário tem o significado <strong>de</strong> admitir posição <strong>de</strong> prevalência para a<br />

Administração, <strong>de</strong> modo que, sobrevindo interesse público, possa ser revogado o instrumento jurídico que legitimou o uso. 101<br />

Essa revogação, como regra, não ren<strong>de</strong> ensejo a qualquer in<strong>de</strong>nização, mas po<strong>de</strong> ocorrer que seja <strong>de</strong>vida pela Administração em<br />

casos especiais, como, por exemplo, a hipótese em que uma autorização <strong>de</strong> uso tenha sido conferida por tempo certo, e a<br />

Administração resolva revogá-la antes do termo final.<br />

Finalmente, esses instrumentos sujeitam-se a regime <strong>de</strong> direito público, no sentido <strong>de</strong> que a Administração possui em seu<br />

favor alguns princípios administrativos que levam em consi<strong>de</strong>ração o interesse público, como é o caso da revogação, acima<br />

mencionada. 102<br />

A propósito do tema, tem havido alguns conflitos no tocante ao uso privativo <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> uso comum do povo,<br />

principalmente <strong>de</strong> praias. Em linha <strong>de</strong> princípio, as praias, por sua natureza, <strong>de</strong>vem ser objeto <strong>de</strong> acesso geral pelas populações.<br />

Somente em caráter <strong>de</strong> exceção po<strong>de</strong> permitir-se o uso privativo por particular <strong>de</strong> algum trecho do litoral. Para tanto, <strong>de</strong>ve a<br />

Administração autorizá-lo expressa e formalmente, sempre apontando o motivo <strong>de</strong> interesse público (como, por exemplo, o<br />

fomento ao turismo) que conduziu à autorização. Havendo abuso na apropriação exclusiva por parte do ocupante, cabe a<br />

propositura <strong>de</strong> ação civil pública pelo Ministério Público para o fim <strong>de</strong> garantir o acesso à coletivida<strong>de</strong> em geral. 103<br />

Ainda no que concerne ao regime <strong>de</strong> direito público, vale anotar que, sem embargo <strong>de</strong> ser conferido o uso privativo a pessoa<br />

da iniciativa privada, o imóvel continua a caracterizar-se como bem público e a merecer a incidência das prerrogativas que o<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico lhe atribui. Uma <strong>de</strong>las é a imunida<strong>de</strong> recíproca, segundo a qual se veda à União, Esta<strong>dos</strong>, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e<br />

Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns <strong>dos</strong> outros (art. 150, VI, “a”, CF). A prerrogativa<br />

subsiste ainda que o bem público esteja sob o uso <strong>de</strong> pessoas privadas, visto que inexiste qualquer restrição no cenário<br />

constitucional. Por isso, já se <strong>de</strong>cidiu, corretamente a nosso ver, que o Município não po<strong>de</strong> cobrar IPTU sobre imóvel fe<strong>de</strong>ral,<br />

ainda que este tenha sido objeto <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> uso para exploração comercial, até porque o concessionário do uso não po<strong>de</strong><br />

figurar no polo passivo da relação tributária. 104 Não obstante, em outra <strong>de</strong>cisão foram opostas algumas restrições para a<br />

imunida<strong>de</strong>, sendo esta consi<strong>de</strong>rada inaplicável, por exemplo, quando há exploração econômica. 105<br />

O governo fe<strong>de</strong>ral editou a Lei nº 13.311, <strong>de</strong> 11.7.2016, para instituir, nos termos do art. 182, caput, da CF, normas gerais<br />

para ocupação e utilização da área pública urbana por quiosques, trailers, feiras e bancas <strong>de</strong> jornais e revistas. Nela se preten<strong>de</strong>u<br />

regular o regime <strong>de</strong> outorga, materializada pelos atos <strong>de</strong> consentimento estatal. Fora parte a estranheza que provoca, a lei é<br />

flagrantemente inconstitucional, e por mais <strong>de</strong> uma razão. Primeiro, o art. 182, caput, da CF confere à União competência para<br />

editar normas gerais sobre política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento urbano, e esse rigorosamente não é o caso. Segundo, porque o mesmo<br />

dispositivo atribui ao Município a execução da política urbana, e nela é que se situa a ocupação e utilização da área urbana; com<br />

isso, houve inegável invasão da competência municipal pela União. Terceiro, por <strong>de</strong>dução absolutamente lógica: o que a União<br />

tem a ver com ação urbanística <strong>de</strong>ssa natureza? A conclusão é a <strong>de</strong> que os atos <strong>de</strong> outorga e consentimento para aquela finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>vem continuar a ser expedi<strong>dos</strong> pelo governo municipal – como, aliás, tem sido feito há séculos.<br />

Vejamos, então, os instrumentos <strong>de</strong> uso privativo.

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