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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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1.<br />

FUNDAMENTOS<br />

Nos termos do art. 170 da CF, a or<strong>de</strong>m econômica é fundada em dois postula<strong>dos</strong> básicos: a valorização do trabalho humano<br />

e a livre iniciativa.<br />

Ao estabelecer esses dois postula<strong>dos</strong> como fundamentos da or<strong>de</strong>m econômica, a Constituição preten<strong>de</strong>u indicar que todas as<br />

ativida<strong>de</strong>s econômicas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> quem possa exercê-las, <strong>de</strong>vem com eles compatibilizar-se. Extrai-se <strong>de</strong>ssa<br />

premissa, por conseguinte, que, se a ativida<strong>de</strong> econômica estiver <strong>de</strong> alguma forma vulnerando os referi<strong>dos</strong> fundamentos, será<br />

consi<strong>de</strong>rada inválida e inconstitucional. Fundamentos, na verda<strong>de</strong>, são os pilares <strong>de</strong> sustentação do regime econômico e, como<br />

tal, impõem comportamentos que não os contrariem.<br />

1.1.<br />

Valorização do Trabalho Humano<br />

Entre os fundamentos da República a Constituição fez consignar os valores sociais do trabalho (art. 1 o , IV). O texto<br />

<strong>de</strong>monstra a preocupação do Constituinte em conciliar os fatores <strong>de</strong> capital e trabalho <strong>de</strong> forma a aten<strong>de</strong>r aos preceitos da justiça<br />

social. Com esse fundamento, não há mais como serem acolhi<strong>dos</strong> comportamentos que conduzam à escravidão ou a meios <strong>de</strong><br />

trabalho que coloquem em risco a vida ou a saú<strong>de</strong> <strong>dos</strong> trabalhadores. A justiça social, é bom que se diga, tem escopo protetivo e<br />

se direciona sobre as categorias sociais mais <strong>de</strong>sfavorecidas.<br />

A valorização do trabalho humano tem intrínseca relação com os valores sociais do trabalho. Não há dúvida <strong>de</strong> que, para<br />

condicionar o trabalho aos valores sociais, é necessária a intervenção do Estado nesse capítulo da or<strong>de</strong>m econômica. Aliás, a<br />

Constituição intervém notoriamente nas relações entre empregadores e emprega<strong>dos</strong>, estabelecendo nos arts. 7 o a 11 um <strong>de</strong>talhado<br />

elenco <strong>de</strong> direitos sociais <strong>dos</strong> emprega<strong>dos</strong>. To<strong>dos</strong> esses mandamentos retratam a preocupação estatal em a<strong>de</strong>quar o trabalho aos<br />

ditames da justiça social.<br />

Outro aspecto que <strong>de</strong>riva <strong>de</strong>sse fundamento é o relativo à automação industrial. Se o uso das recentes tecnologias faz parte<br />

do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das empresas do país, não é menos verda<strong>de</strong>iro que não po<strong>de</strong>m as máquinas substituir o homem<br />

para benefício exclusivo do empresariado. Diz o texto constitucional que se impõe a valorização do trabalho humano, o que<br />

significa que é o homem que <strong>de</strong>ve ser o alvo da tutela.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer, em síntese, que a valorização do trabalho humano correspon<strong>de</strong> à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situar o homem trabalhador<br />

em patamar mais elevado do que o relativo a outros interesses priva<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> forma a ajustar seu trabalho aos postula<strong>dos</strong> da justiça<br />

social.<br />

1.2.<br />

Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Iniciativa<br />

Este fundamento indica que todas as pessoas têm o direito <strong>de</strong> ingressar no mercado <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> bens e serviços por sua<br />

conta e risco. 9 Trata-se, na verda<strong>de</strong>, da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> exploração das ativida<strong>de</strong>s econômicas sem que o Estado as execute sozinho<br />

ou concorra com a iniciativa privada. A livre iniciativa é realmente o postulado maior do regime capitalista. O fundamento em<br />

foco se completa, aliás, com a regra do art. 170, parágrafo único, da CF, segundo o qual a to<strong>dos</strong> é assegurado o livre exercício <strong>de</strong><br />

qualquer ativida<strong>de</strong> econômica, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização <strong>de</strong> órgãos públicos, à exceção <strong>dos</strong> casos previstos em lei.<br />

A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativa não é apenas um <strong>dos</strong> fundamentos da or<strong>de</strong>m econômica, mas da própria República, tal como<br />

suce<strong>de</strong> com os valores sociais do trabalho (art. 1 o , IV, da CF). É claro que o sentido da livre iniciativa faz lembrar, <strong>de</strong> certa<br />

forma, os tempos do liberalismo econômico. Mas, ao contrário da doutrina <strong>de</strong> SMITH e MILL, o Estado não é mero observador,<br />

mas sim um efetivo participante e fiscal do comportamento econômico <strong>dos</strong> particulares. Por essa razão é que, quando nos<br />

referimos à atuação do Estado na economia, queremos indicar que o Estado interfere <strong>de</strong> fato no domínio econômico, restringindo<br />

e condicionando a ativida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> particulares em favor do interesse público. 10<br />

A garantia da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativa ao setor privado é tão expressiva que prejuízos causa<strong>dos</strong> a empresários pela<br />

intervenção do Po<strong>de</strong>r Público no domínio econômico são passíveis <strong>de</strong> ser in<strong>de</strong>niza<strong>dos</strong> em <strong>de</strong>terminadas situações, com<br />

fundamento no art. 37, § 6 o , da CF, que consagra a responsabilida<strong>de</strong> objetiva do Estado. O STF, inclusive, já enten<strong>de</strong>u que “a<br />

intervenção estatal na economia possui limites no princípio constitucional da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativa e a responsabilida<strong>de</strong><br />

objetiva do Estado é <strong>de</strong>corrente da existência <strong>de</strong> dano atribuível à atuação <strong>de</strong>ste”. 11<br />

Por fim, há um aspecto que merece apreciação. A noção <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativa é, <strong>de</strong> certo modo, antagônica à <strong>de</strong><br />

valorização do trabalho humano. Com efeito, a <strong>de</strong>ixar-se à iniciativa privada inteira liberda<strong>de</strong> para a exploração das ativida<strong>de</strong>s<br />

econômicas, haveria o risco inevitável <strong>de</strong> não se proteger o trabalho humano, tal como já ocorreu no período do liberalismo puro<br />

do século XIX. É preciso, pois, conciliar os fundamentos, criando-se estratégias <strong>de</strong> restrições e condicionamentos à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

iniciativa a fim <strong>de</strong> que seja alcançada efetivamente a justiça social. 12

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