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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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normativa (ou legislativa); ao Executivo, a função administrativa; e, ao Judiciário, a função jurisdicional.<br />

Entretanto, não há exclusivida<strong>de</strong> no exercício das funções pelos Po<strong>de</strong>res. Há, sim, prepon<strong>de</strong>rância. As linhas <strong>de</strong>finidoras das<br />

funções exercidas pelos Po<strong>de</strong>res têm caráter político e figuram na Constituição. Aliás, é nesse sentido que se há <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a<br />

in<strong>de</strong>pendência e a harmonia entre eles: se, <strong>de</strong> um lado, possuem sua própria estrutura, não se subordinando a qualquer outro,<br />

<strong>de</strong>vem objetivar, ainda, os fins colima<strong>dos</strong> pela Constituição.<br />

Por essa razão é que os Po<strong>de</strong>res estatais, embora tenham suas funções normais (funções típicas), <strong>de</strong>sempenham também<br />

funções que materialmente <strong>de</strong>veriam pertencer a Po<strong>de</strong>r diverso (funções atípicas), sempre, é óbvio, que a Constituição o autorize.<br />

O Legislativo, por exemplo, além da função normativa, exerce a função jurisdicional quando o Senado processa e julga o<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (art. 52, I, CF) ou os Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral pelos<br />

mesmos crimes (art. 52, II, CF). Exerce também a função administrativa quando organiza seus serviços internos (arts. 51, IV, e<br />

52, XIII, CF).<br />

O Judiciário, afora sua função típica (função jurisdicional), pratica atos no exercício <strong>de</strong> função normativa, como na<br />

elaboração <strong>dos</strong> regimentos internos <strong>dos</strong> Tribunais (art. 96, I, “a”, CF), e <strong>de</strong> função administrativa, quando organiza os seus<br />

serviços (art. 96, I, “a”, “b”, “c”; art. 96, II, “a”, “b” etc.).<br />

Por fim, o Po<strong>de</strong>r Executivo, ao qual incumbe precipuamente a função administrativa, <strong>de</strong>sempenha também função atípica<br />

normativa, quando produz, por exemplo, normas gerais e abstratas através <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r regulamentar (art. 84, IV, CF), 7 ou,<br />

ainda, quando edita medidas provisórias (art. 62, CF) ou leis <strong>de</strong>legadas (art. 68, CF). Quanto à função jurisdicional, o sistema<br />

constitucional pátrio vigente não <strong>de</strong>u margem a que pu<strong>de</strong>sse ser exercida pelo Executivo. 8 A função jurisdicional típica, assim<br />

consi<strong>de</strong>rada aquela por intermédio da qual conflitos <strong>de</strong> interesses são resolvi<strong>dos</strong> com o cunho <strong>de</strong> <strong>de</strong>finitivida<strong>de</strong> (res iudicata), é<br />

praticamente monopolizada pelo Judiciário, e só em casos excepcionais, como visto, e expressamente menciona<strong>dos</strong> na<br />

Constituição, é ela <strong>de</strong>sempenhada pelo Legislativo. 9<br />

Em relação à tipicida<strong>de</strong> ou atipicida<strong>de</strong> das funções, po<strong>de</strong> suce<strong>de</strong>r que <strong>de</strong>terminada função se enquadre, em certo momento,<br />

como típica, e o direito positivo venha a convertê-la em atípica, e vice-versa. Exemplo elucidativo ocorreu com os processos <strong>de</strong><br />

inventário e separação e divórcio consensuais: ainda que inexistisse litígio, cumpria aos interessa<strong>dos</strong> recorrer à via judicial.<br />

Tratando-se <strong>de</strong> função administrativa, ao ser exercida no Judiciário qualificava-se como função jurisdicional atípica.<br />

Posteriormente, contudo, o inventário e a partilha (quando os interessa<strong>dos</strong> são capazes e concor<strong>de</strong>s), bem como a separação e o<br />

divórcio consensuais (quando não há filhos menores ou incapazes), passaram a ser admiti<strong>dos</strong> por simples escritura pública em<br />

Ofício <strong>de</strong> Notas comum, servindo o título para o registro público a<strong>de</strong>quado (arts. 610, § 1º, e 733, Código <strong>de</strong> Processo Civil).<br />

Com tal mudança <strong>de</strong> rumo, o que era função jurisdicional atípica passou a caracterizar-se como função administrativa típica.<br />

3.<br />

FUNÇÃO ADMINISTRATIVA<br />

Não constitui tarefa muito fácil <strong>de</strong>linear os contornos do que se consi<strong>de</strong>ra função administrativa. Os estudiosos têm<br />

divergido sobre o tema. To<strong>dos</strong>, no entanto, fazem referência ao pensamento <strong>de</strong> OTTO MAYER, que, ao final do século passado,<br />

<strong>de</strong>fendia a autonomia do <strong>Direito</strong> <strong>Administrativo</strong> em face do <strong>Direito</strong> Constitucional, e afirmava: “A administrativa é a ativida<strong>de</strong><br />

do Estado para realizar seus fins, <strong>de</strong>baixo da or<strong>de</strong>m jurídica”. A visão do gran<strong>de</strong> jurista alemão mostrava que a função<br />

administrativa haveria <strong>de</strong> ter duas faces: a primeira relativa ao sujeito da função (aspecto subjetivo); a segunda relativa aos<br />

efeitos da função no mundo jurídico (aspecto objetivo formal).<br />

Para a i<strong>de</strong>ntificação da função administrativa, os autores se têm valido <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> três or<strong>de</strong>ns:<br />

1º)<br />

2º)<br />

3º)<br />

subjetivo (ou orgânico), que dá realce ao sujeito ou agente da função;<br />

objetivo material, pelo qual se examina o conteúdo da ativida<strong>de</strong>; e<br />

objetivo formal, que explica a função pelo regime jurídico em que se situa a sua disciplina.<br />

Nenhum critério é suficiente, se tomado isoladamente. Devem eles combinar-se para suscitar o preciso contorno da função<br />

administrativa.<br />

Na prática, a função administrativa tem sido consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> caráter residual, sendo, pois, aquela que não representa a<br />

formulação da regra legal nem a composição <strong>de</strong> li<strong>de</strong>s in concreto. 10 Mais tecnicamente po<strong>de</strong> dizer-se que função administrativa é<br />

aquela exercida pelo Estado ou por seus <strong>de</strong>lega<strong>dos</strong>, subjacentemente à or<strong>de</strong>m constitucional e legal, sob regime <strong>de</strong> direito<br />

público, com vistas a alcançar os fins colima<strong>dos</strong> pela or<strong>de</strong>m jurídica. 11<br />

Enquanto o ponto central da função legislativa consiste na criação do direito novo (ius novum) e o da função jurisdicional<br />

<strong>de</strong>scansa na composição <strong>de</strong> litígios, na função administrativa o gran<strong>de</strong> alvo é, <strong>de</strong> fato, a gestão <strong>dos</strong> interesses coletivos na sua<br />

mais variada dimensão, consequência das numerosas tarefas a que se <strong>de</strong>ve propor o Estado mo<strong>de</strong>rno. Como tal gestão implica

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