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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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Há autores, porém, que sustentam que a servidão po<strong>de</strong> incidir também sobre bens móveis. 18 Advoga-se, ainda, tese mais<br />

ampla – a <strong>de</strong> que po<strong>de</strong> ser instituída sobre imóveis, móveis e até serviços. 19<br />

Com a vênia <strong>de</strong>vida a esses estudiosos, não vemos como se possa esten<strong>de</strong>r, com tal amplitu<strong>de</strong>, o objeto das servidões<br />

administrativas. Não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que as servidões têm o mesmo núcleo, como vimos, sejam elas administrativas ou <strong>de</strong><br />

direito privado. Mas o nascedouro do instituto se <strong>de</strong>u no direito privado e só posteriormente se esten<strong>de</strong>u ao Po<strong>de</strong>r Público. No<br />

direito privado, é corretíssima a lição <strong>de</strong> CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, segundo o qual as servidões “têm por objeto<br />

coisa imóvel corpórea, ou sejam prédios, na terminologia a<strong>de</strong>quada”. 20 Está excluída, portanto, a instituição sobre bens móveis.<br />

Por outro lado, parece-nos mais difícil ainda aceitar a servidão administrativa sobre serviços. Tornando a invocar o autor<br />

acima, é necessário diferenciar as servidões prediais das impropriamente <strong>de</strong>nominadas servidões pessoais, as quais “não passam<br />

<strong>de</strong> vantagens proporcionadas a alguém” e, <strong>de</strong>ssa maneira, se caracterizam mais como direitos <strong>de</strong> crédito, e não como direito<br />

real. 21 À semelhança do que ocorre com a <strong>de</strong>sapropriação, é <strong>de</strong> aplicar-se às servidões administrativas o princípio da hierarquia<br />

fe<strong>de</strong>rativa: não po<strong>de</strong> um Município instituir servidão sobre imóveis estaduais ou fe<strong>de</strong>rais, nem po<strong>de</strong> o Estado fazê-lo em relação<br />

aos bens da União. A recíproca, porém, não é verda<strong>de</strong>ira: a União po<strong>de</strong> fazê-lo em relação a bens estaduais e municipais, e o<br />

Estado, em relação a bens do Município. Neste caso, contudo, <strong>de</strong>ve haver autorização legislativa, como o exige o art. 2 o , § 2 o , do<br />

Decreto-lei n o 3.365/1941, que regula o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação por utilida<strong>de</strong> pública. Como a servidão <strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer ao<br />

mesmo processo (art. 40 da mesma lei), a ela também <strong>de</strong>ve aplicar-se esse requisito para a instituição da servidão em bem<br />

público. Em parecer sobre esse tema, CAIO TÁCITO averbou que “não po<strong>de</strong> o município apropriar-se <strong>de</strong> área <strong>de</strong> domínio da<br />

União, quer pela via direta da <strong>de</strong>sapropriação, quer pela via indireta da ocupação, para convertê-la em estrada municipal”<br />

(RDA 159/328).<br />

4.<br />

FORMAS DE INSTITUIÇÃO<br />

Há duas formas <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> servidões administrativas.<br />

A primeira <strong>de</strong>las <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> acordo entre o proprietário e o Po<strong>de</strong>r Público. Depois <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar a necessida<strong>de</strong> pública <strong>de</strong><br />

instituir a servidão, o Estado consegue o assentimento do proprietário para usar a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste com o fim já especificado no<br />

<strong>de</strong>creto do Chefe do Executivo, no qual foi <strong>de</strong>clarada a referida necessida<strong>de</strong>. Nesse caso, as partes <strong>de</strong>vem celebrar acordo formal<br />

por escritura pública, para fins <strong>de</strong> subsequente registro do direito real.<br />

A segunda forma é através <strong>de</strong> sentença judicial. Não tendo havido acordo entre as partes, o Po<strong>de</strong>r Público promove ação<br />

contra o proprietário, <strong>de</strong>monstrando ao juiz a existência do <strong>de</strong>creto específico, indicativo da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública. O<br />

procedimento, nessa hipótese, é idêntico ao adotado para a <strong>de</strong>sapropriação, estando previsto, como já vimos, no art. 40 do<br />

Decreto-lei n o 3.365/1941. 22 Adite-se, à guisa <strong>de</strong> esclarecimento, que, conforme já <strong>de</strong>cidido, <strong>de</strong>verão ser cita<strong>dos</strong> para a ação os<br />

proprietários do imóvel em que se preten<strong>de</strong> implantar a servidão, bem como eventuais possuidores, neste caso porque os efeitos<br />

da medida administrativa interferem também em sua esfera jurídica. 23<br />

Po<strong>de</strong> ocorrer a hipótese em que a Administração nem celebrou acordo com o proprietário nem observou as formalida<strong>de</strong>s<br />

necessárias à implementação da servidão administrativa. Em outras palavras, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r à expedição do <strong>de</strong>creto e ao<br />

ajuizamento da ação com oferta do preço. A hipótese indica que o uso da proprieda<strong>de</strong> pelo Po<strong>de</strong>r Público se <strong>de</strong>u manu militari,<br />

situação que se assemelha à da <strong>de</strong>sapropriação indireta. Nesse caso, idêntica <strong>de</strong>ve ser a solução: sendo fato consumado a<br />

instalação da servidão, cabe ao proprietário pleitear judicialmente in<strong>de</strong>nização com vistas à eventual reparação <strong>de</strong> seus<br />

prejuízos. 24<br />

Não consi<strong>de</strong>ramos legítima a forma <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> servidões administrativas através <strong>de</strong> lei, como o fazem alguns autores.<br />

As servidões são instituídas sobre proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>terminadas, o que não ocorre com a lei, que estabelece o direito <strong>de</strong> uso sobre<br />

proprieda<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>terminadas. Por outro lado, a lei não impõe tipicamente uma restrição, mas sim estabelece uma limitação<br />

genérica à proprieda<strong>de</strong>, razão por que enten<strong>de</strong>mos que se trata <strong>de</strong> limitações administrativas, instituto que estudaremos adiante.<br />

Essas imposições legais, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>correm da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilitar que o Po<strong>de</strong>r Público exerça seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia. É o<br />

caso, por exemplo, <strong>dos</strong> terrenos reserva<strong>dos</strong> previstos no Código <strong>de</strong> Águas (Decreto n o 24.643/1934), citado por HELY LOPES<br />

MEIRELLES, como forma <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> servidão ex vi legis, mas que, incidindo sobre as faixas marginais <strong>de</strong> rios e lagos <strong>de</strong><br />

todas as proprieda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>stinam-se, em última instância, ao exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia com vistas à fiscalização <strong>de</strong>sses bens<br />

públicos. 25 Esse tipo <strong>de</strong> norma legal institui não servidão administrativa, mas sim limitações administrativas genéricas.<br />

Autorizada doutrina também apresenta várias hipóteses do que consi<strong>de</strong>ra servidões <strong>de</strong>correntes diretamente da lei, como as<br />

do Código <strong>de</strong> Águas Minerais (Decreto-lei n o 7.841/1945); a servidão militar prevista no Decreto-lei n o 3.437/1941; a servidão<br />

para a proteção do patrimônio tombado, prevista no Decreto-lei n o 25/1937. 26 Entretanto, venia concessa, to<strong>dos</strong> esses casos<br />

indicam limitações administrativas genéricas, e não servidões administrativas. Nesses casos, o próprio conteúdo do direito <strong>de</strong>

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