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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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<strong>de</strong> se esperar, ainda aguarda maior maturação no que concerne às soluções mais a<strong>de</strong>quadas para solver o problema.<br />

É inegável, porém, a atual tendência em ampliar o ativismo judicial, mediante ingerência direta do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Semelhante tendência tem sido registrada em várias <strong>de</strong>cisões judiciais pelas quais se impõem obrigações <strong>de</strong> fazer à<br />

Administração. Citem-se, a título <strong>de</strong> exemplo, <strong>de</strong>cisões que or<strong>de</strong>naram a manutenção <strong>de</strong> programas sociais tipicamente<br />

administrativos 31 ou que <strong>de</strong>terminaram a promoção <strong>de</strong> medidas ou <strong>de</strong> obras emergenciais em estabelecimentos prisionais,<br />

<strong>de</strong>ixando-se clara a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alegação da reserva do possível. 32 No aspecto pragmático, a socieda<strong>de</strong> aplau<strong>de</strong> tais<br />

<strong>de</strong>cisões, mas, no aspecto jurídico e político, é imperioso, por cautela, que se conheçam os limites <strong>de</strong>ntro <strong>dos</strong> quais po<strong>de</strong><br />

legitimar-se essa judicialização, sem ofensa ao axioma constitucional da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res.<br />

Assinale-se, no que concerne a essa temática, que mo<strong>de</strong>rna doutrina, em análise científica sobre o tema, advoga a<br />

interpretação <strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve rechaçar-se o “ativismo judicial” disfarçado em “constitucionalismo da efetivida<strong>de</strong>”, fincando estacas<br />

no sentido <strong>de</strong> que ao Judiciário, especialmente, cabe <strong>de</strong>sempenhar seu efetivo papel, qual seja, o da guarda da Constituição, sem<br />

que, para tanto, tenha que invadir competências constitucionais que não lhe foram reservadas. 33<br />

Conclui-se, <strong>de</strong>sse modo, que o controle judicial alcançará to<strong>dos</strong> os aspectos <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> atos administrativos, não<br />

po<strong>de</strong>ndo, todavia, esten<strong>de</strong>r-se à valoração da conduta que a lei conferiu ao administrador. Um exemplo mostra bem a hipótese:<br />

em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Município do Rio <strong>de</strong> Janeiro ter alterado paradas e itinerários <strong>de</strong> certas linhas <strong>de</strong> ônibus, foi proposta ação contra<br />

tal fato, e o STJ, apreciando a matéria, <strong>de</strong>cidiu tratar-se <strong>de</strong> ato discricionário, que sob o aspecto formal não apresenta nenhum<br />

<strong>de</strong>feito, não po<strong>de</strong>ndo o Judiciário a<strong>de</strong>ntrar em suas razões <strong>de</strong> conveniência. Corretamente, portanto, a Egrégia Corte consi<strong>de</strong>rou<br />

inviável que razões meramente administrativas fossem objeto <strong>de</strong> apreciação pelo Judiciário. 34<br />

Mo<strong>de</strong>rnamente, como já tivemos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registrar, os doutrinadores têm consi<strong>de</strong>rado os princípios da<br />

razoabilida<strong>de</strong> e da proporcionalida<strong>de</strong> como valores que po<strong>de</strong>m ensejar o controle da discricionarieda<strong>de</strong>, enfrentando situações<br />

que, embora com aparência <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>, retratam verda<strong>de</strong>iro abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Referido controle, entretanto, só po<strong>de</strong> ser<br />

exercido à luz da hipótese concreta, a fim <strong>de</strong> que seja verificado se a Administração portou-se com equilíbrio no que toca aos<br />

meios e fins da conduta, ou o fator objetivo <strong>de</strong> motivação não ofen<strong>de</strong> algum outro princípio, como, por exemplo, o da igualda<strong>de</strong>,<br />

ou ainda se a conduta era realmente necessária e gravosa sem excesso. Não é tarefa simples, porque a exacerbação ilegítima<br />

<strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> controle reflete ofensa ao princípio republicano da separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, cujo axioma fundamental é o do<br />

equilíbrio entre eles ou, como o <strong>de</strong>nominam os constitucionalistas em geral, o princípio <strong>dos</strong> freios e contrapesos (checks and<br />

balances). 35<br />

DISCRICIONARIEDADE E CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS – Alguns estu<strong>dos</strong> doutrinários têm<br />

tratado, como uma só unida<strong>de</strong>, a discricionarieda<strong>de</strong> e os conceitos jurídicos in<strong>de</strong>termina<strong>dos</strong>. Entretanto, embora haja aspectos<br />

comuns em ambos, os autores mo<strong>de</strong>rnos mais autoriza<strong>dos</strong> têm procurado distinguir os institutos.<br />

Conceitos jurídicos in<strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> são termos ou expressões conti<strong>dos</strong> em normas jurídicas, que, por não terem exatidão em<br />

seu sentido, permitem que o intérprete ou o aplicador possam atribuir certo significado, mutável em função da valoração que se<br />

proceda diante <strong>dos</strong> pressupostos da norma. É o que suce<strong>de</strong> com expressões do tipo “or<strong>de</strong>m pública”, “bons costumes”, “interesse<br />

público”, “segurança nacional” e outras do gênero. Em palavras diversas, referi<strong>dos</strong> conceitos são aqueles “cujo âmbito se<br />

apresenta em medida apreciável incerto, encerrando apenas uma <strong>de</strong>finição ambígua <strong>dos</strong> pressupostos a que o legislador<br />

conecta certo efeito <strong>de</strong> direito”. 36<br />

A discricionarieda<strong>de</strong> não pressupõe imprecisão <strong>de</strong> sentido, como ocorre nos conceitos jurídicos in<strong>de</strong>termina<strong>dos</strong>, mas, ao<br />

contrário, espelha a situação jurídica diante da qual o administrador po<strong>de</strong> optar por uma <strong>de</strong>ntre várias condutas lícitas e possíveis.<br />

Aqui é a própria norma que, ao ser criada, oferece ao aplicador a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer a subsunção do fato à hipótese normativa<br />

mediante processo <strong>de</strong> escolha, consi<strong>de</strong>rando necessariamente o fim a que se <strong>de</strong>stina a norma. Não é, portanto, uma opção<br />

absolutamente livre, visto que tem como parâmetro <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> o objetivo colimado pela norma. A fisionomia jurídica da<br />

discricionarieda<strong>de</strong> comporta três elementos: (1) norma <strong>de</strong> previsão aberta que exija complemento <strong>de</strong> aplicação; (2) margem <strong>de</strong><br />

livre <strong>de</strong>cisão, quanto à conveniência e à oportunida<strong>de</strong> da conduta administrativa; (3) pon<strong>de</strong>ração valorativa <strong>de</strong> interesses<br />

concorrentes, com prevalência do que melhor aten<strong>de</strong>r ao fim da norma. 37<br />

A razão pela qual têm sido confundi<strong>dos</strong> os institutos <strong>de</strong>corre da circunstância <strong>de</strong> que ambos se enquadram na ativida<strong>de</strong> não<br />

vinculada da Administração, uma vez que neles a norma não exibe padrões objetivos <strong>de</strong> atuação. Mas, enquanto o conceito<br />

jurídico in<strong>de</strong>terminado situa-se no plano <strong>de</strong> previsão da norma (antece<strong>de</strong>nte), porque a lei já estabelece os efeitos que <strong>de</strong>vem<br />

emanar do fato correspon<strong>de</strong>nte ao pressuposto nela contido, a discricionarieda<strong>de</strong> aloja-se na estatuição da norma (consequente),<br />

visto que o legislador <strong>de</strong>ixa ao órgão administrativo o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ele mesmo configurar esses efeitos. Nesta, portanto, o processo<br />

<strong>de</strong> escolha tem maior amplitu<strong>de</strong> do que o ocorrente naquele. 38<br />

Levando-se em conta justamente a ausência <strong>de</strong> standards <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong> tanto na discricionarieda<strong>de</strong> quanto na aplicação<br />

<strong>dos</strong> conceitos jurídicos in<strong>de</strong>termina<strong>dos</strong>, surgem como mecanismos <strong>de</strong> controle os princípios da razoabilida<strong>de</strong> e da

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