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_Manual de Direito Administrativo_(2017)_Jose dos Santos Carvalho Filho

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O último pressuposto é o nexo causal (ou relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>) entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao<br />

lesado cabe apenas <strong>de</strong>monstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consi<strong>de</strong>ração sobre o dolo ou a<br />

culpa. 32 Se o dano <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> fato que, <strong>de</strong> modo algum, po<strong>de</strong> ser imputado à Administração, não se po<strong>de</strong>rá imputar<br />

responsabilida<strong>de</strong> civil a esta; inexistindo o fato administrativo, não haverá, por consequência, o nexo causal. 33 Essa é a razão por<br />

que não se po<strong>de</strong> responsabilizar o Estado por to<strong>dos</strong> os danos sofri<strong>dos</strong> pelos indivíduos, principalmente quando <strong>de</strong>correm <strong>de</strong> fato<br />

<strong>de</strong> terceiro ou <strong>de</strong> ação da própria vítima.<br />

Em relação à primeira <strong>de</strong>ssas hipóteses, já se <strong>de</strong>cidiu acertadamente que não há responsabilida<strong>de</strong> do Estado no caso em que o<br />

veículo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> registrado, foi apreendido por ter sido furtado, e isso porque o certificado <strong>de</strong> registro, embora sendo título <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>, não se configura como legitimador do negócio jurídico. 34 Outro caso <strong>de</strong> exclusão da responsabilida<strong>de</strong> do Estado<br />

ocorreu em hipótese <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizamento <strong>de</strong> encosta causado pelas sucessivas escavações das próprias vítimas. 35<br />

O nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> é fator <strong>de</strong> fundamental importância para a atribuição <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado. O exame<br />

supérfluo e apressado <strong>de</strong> fatos causadores <strong>de</strong> danos a indivíduos tem levado alguns intérpretes à equivocada conclusão <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado. Para que se tenha uma análise absolutamente consentânea com o mandamento constitucional, é<br />

necessário que se verifique se realmente houve um fato administrativo (ou seja, um fato imputável à Administração), o dano da<br />

vítima e a certeza <strong>de</strong> que o dano proveio efetivamente daquele fato. Essa é a razão por que os estudiosos têm consignado, com<br />

inteira <strong>dos</strong>e <strong>de</strong> acerto, que “a responsabilida<strong>de</strong> objetiva fixada pelo texto constitucional exige, como requisito para que o Estado<br />

responda pelo dano que lhe for imputado, a fixação do nexo causal entre o dano produzido e a ativida<strong>de</strong> funcional<br />

<strong>de</strong>sempenhada pelo agente estatal”. 36<br />

O mais importante, no que tange à aplicação da teoria da responsabilida<strong>de</strong> objetiva da Administração, é que, presentes os<br />

<strong>de</strong>vi<strong>dos</strong> pressupostos, tem esta o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar o lesado pelos danos que lhe foram causa<strong>dos</strong> sem que se faça necessária a<br />

investigação sobre se a conduta administrativa foi, ou não, conduzida pelo elemento culpa. Por conseguinte, <strong>de</strong>cisões lícitas do<br />

governo são suscetíveis, em alguns casos, <strong>de</strong> ensejar a obrigação in<strong>de</strong>nizatória por parte do Estado. Vale a pena, à guisa <strong>de</strong><br />

exemplo, relembrar <strong>de</strong>cisão do STF que con<strong>de</strong>nou a União a in<strong>de</strong>nizar os prejuízos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> sua intervenção no domínio<br />

econômico, em função da qual se <strong>de</strong>terminara a fixação <strong>de</strong> preços, no setor sucro-alcooleiro, em patamar inferior aos valores<br />

apura<strong>dos</strong> e propostos por autarquia ligada ao próprio governo fe<strong>de</strong>ral (o extinto Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool), o que,<br />

obviamente, gerou inegáveis prejuízos. Consi<strong>de</strong>rou a Corte que, embora legítima a intervenção estatal, há certos limites para<br />

executá-la, inclusive <strong>de</strong>ntro do princípio constitucional da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativa (livre exercício das ativida<strong>de</strong>s econômicas),<br />

previsto no art. 170, caput, da Constituição. Em que pese a legitimida<strong>de</strong> da conduta, estavam presentes os pressupostos da<br />

responsabilida<strong>de</strong> objetiva, <strong>de</strong> modo que à União caberia in<strong>de</strong>nizar to<strong>dos</strong> os prejudica<strong>dos</strong> em virtu<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão que adotou. 37<br />

Hipótese bem assemelhada a essa foi aquela em que o mesmo STF julgou proce<strong>de</strong>nte a pretensão <strong>de</strong> empresa aérea, contra a<br />

União, <strong>de</strong> ser in<strong>de</strong>nizada pelos prejuízos causa<strong>dos</strong> oriun<strong>dos</strong> da implementação do chamado “Plano Cruzado”. Embora<br />

reconhecendo a constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa lei econômica, enten<strong>de</strong>u-se que a intervenção estatal não po<strong>de</strong>ria ferir cláusula do<br />

contrato <strong>de</strong> concessão que previa a correspondência entre as tarifas e os custos do serviço concedido. No fundo, há típica<br />

aplicação da responsabilida<strong>de</strong> objetiva do Estado, que admite, inclusive, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar ainda que em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> atos<br />

lícitos. 38<br />

2.<br />

ÔNUS DA PROVA: INVERSÃO<br />

A questão relativa à prova leva, primeiramente, em conta a <strong>de</strong>fesa do Estado na ação movida pelo lesado. Diante <strong>dos</strong><br />

pressupostos da responsabilida<strong>de</strong> objetiva, ao Estado só cabe <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se provando a inexistência do fato administrativo, a<br />

inexistência <strong>de</strong> dano ou a ausência do nexo causal entre o fato e o dano.<br />

Mas há ainda outro fator que merece ser analisado. A pretensão formulada pelo indivíduo para obter do Estado a reparação<br />

<strong>de</strong> prejuízos atenua em muito o princípio <strong>de</strong> que o ônus da prova incumbe a quem alega (onus probandi incumbit ei que dicit, non<br />

qui negat). Se o autor da ação alega a existência do fato, o dano e o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre um e outro, cabe ao Estado-réu a<br />

contraprova sobre tais alegações. 39<br />

3.<br />

PARTICIPAÇÃO DO LESADO<br />

O fato <strong>de</strong> ser o Estado sujeito à teoria da responsabilida<strong>de</strong> objetiva não vai ao extremo <strong>de</strong> lhe ser atribuído o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

reparação <strong>de</strong> prejuízos em razão <strong>de</strong> tudo o que acontece no meio social. É essa a razão do repúdio à <strong>de</strong>nominada teoria do risco<br />

integral, que, como já vimos, é injusta, absurda e inadmissível no direito mo<strong>de</strong>rno.<br />

Para que se configure a responsabilida<strong>de</strong> do Estado, é necessário que seja verificado o comportamento do lesado no episódio<br />

que lhe provocou o dano.

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