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alexandre-de-moraes-direito-constitucional-2014

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Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 485<br />

que as paixões são conaturais. Ora, a lei não tem paixões, que ao contrário se encontram<br />

necessariamente em cada alma humana.”1<br />

Assim, a supremacia da legalida<strong>de</strong> sobre o governo <strong>de</strong> homens traz, no dizer <strong>de</strong> Norberto<br />

Bobbio “duas coisas diversas embora coligadas: além do governo sub lege, que é o<br />

consi<strong>de</strong>rado até aqui, também o governo per leges, isto é, mediante leis, ou melhor, através<br />

da emanação (se não exclusiva, ao menos predominante) <strong>de</strong> normas gerais e abstratas.<br />

Umacoisa é o governo exercer o po<strong>de</strong>r segundo leis preestabelecidas, outra coisa é exercêlo<br />

mediante leis, isto é, não mediante or<strong>de</strong>ns individuais e concretas. As duas exigências<br />

não se superpõem: num estado <strong>de</strong> <strong>direito</strong> o juiz, quando emite uma sentença que é uma<br />

or<strong>de</strong>m individual e concreta, exerce o po<strong>de</strong>r sub lege mas não per leges; ao contrário, o<br />

primeiro legislador, o legislador constituinte, exerce o po<strong>de</strong>r não sub lege (salvo ao pressupor,<br />

como faz Kelsen, uma norma fundamental), mas per leges no momento mesmo<br />

em que emana uma constituição escrita. Na formação do estado mo<strong>de</strong>rno a doutrina do<br />

<strong>constitucional</strong>ismo, na qual se resume toda forma <strong>de</strong> governo sub lege, proce<strong>de</strong> no mesmo<br />

passo que a doutrina do primado da lei como fonte <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, entendida a lei, por um<br />

lado, como expressão máxima da vonta<strong>de</strong> do soberano (seja ele o príncipe ou o povo),<br />

em oposição ao consueto; por outro lado, como norma geral e abstrata, em oposição às<br />

or<strong>de</strong>ns dadas umapor vez. Que sejam consi<strong>de</strong>rados os três maiores filósofos cujas teorias<br />

acompanham a formação do estado mo<strong>de</strong>rno, Hobbes, Rousseau e Hegel: po<strong>de</strong>-se duvidar<br />

que eles <strong>de</strong>vam ser incluídos entre os fautores do governo da lei, mas certamente todos os<br />

três são <strong>de</strong>fensores do primado da lei como fonte do <strong>direito</strong>, como instrumento principal<br />

<strong>de</strong> dominação e enquanto tal prerrogativa máxima do po<strong>de</strong>r soberano”.12<br />

Ora, sendo a lei “fonte do <strong>direito</strong>”, “instrumento principal <strong>de</strong> dominação” e “prerrogativa<br />

máxima do po<strong>de</strong>r soberano”, indiscutível a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se prever a existência <strong>de</strong> um<br />

órgão estatal para sua realização. Órgão este in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e autônomo, a fim <strong>de</strong> realizar<br />

seu mister sem ingerências in<strong>de</strong>vidas <strong>de</strong> outros órgãos estatais. Para tanto, consagrou-se<br />

a separação das funções do Estado mediante critérios funcionais.<br />

A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res”, que consiste<br />

em distinguir três funções estatais, quais sejam: legislação, administração e jurisdição.<br />

Estas três funções <strong>de</strong>vem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as<br />

exercerão com exclusivida<strong>de</strong>.<br />

Essa classificação foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na já citada obra<br />

Política, on<strong>de</strong> eram repartidas as funções do Estado em <strong>de</strong>liberante (consistente na tomada<br />

das <strong>de</strong>cisões fundamentais), executiva (consistente na aplicação pelos magistrados <strong>de</strong>ssas<br />

<strong>de</strong>cisões) e judiciária (consistente em fazer justiça).<br />

Posteriormente, esta teoria foi <strong>de</strong>talhada por John Locke, no Segundo tratado do governo<br />

civil, que também reconheceu três funções distintas: a legislativa (consistente em<br />

<strong>de</strong>cidir como a força pública há <strong>de</strong> ser empregada), a executiva (consistente em aplicar<br />

essa força no plano interno, para assegurar a or<strong>de</strong>m e o <strong>direito</strong>) e a fe<strong>de</strong>rativa (consistente<br />

em manter relações com outros Estados, especialmente por meio <strong>de</strong> alianças).<br />

1 ARISTÓTELES. Política, 1286a.<br />

2 BOBBIO, Norberto. O futuro da <strong>de</strong>mocracia: uma <strong>de</strong>fesa das regras do jo go . São Paulo: Paz e Terra Política,<br />

1986. p. 158.

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