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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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1030 Padre Mateus Ribeiro<br />

dá abona<strong>do</strong>s fia<strong>do</strong>res à firmeza. Perseverou esta em Doroteia enquanto só de<br />

mim se viu queri<strong>da</strong>, foi constante enquanto de outro mais poderoso se não viu<br />

ama<strong>da</strong> e por fim mostrou ser sublunar na enti<strong>da</strong>de quem nos visos <strong>da</strong> beleza<br />

tinha as aparências de celeste. Há nesta ci<strong>da</strong>de um mancebo morga<strong>do</strong>, muito<br />

rico e poderoso, que se chama Hortênsio, <strong>do</strong> solar mais ilustre e antigo dela, a<br />

quem a maior parte <strong>do</strong>s lavra<strong>do</strong>res destes montes são pensionários nas ren<strong>da</strong>s<br />

copiosas que lhe pagam. É filho único de uma senhora viúva que se chama<br />

Jacinta, a quem pela fi<strong>da</strong>lguia e riqueza to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong>de respeita e estima em<br />

muito. É Hortênsio mancebo de flori<strong>da</strong> i<strong>da</strong>de, na pessoa mui galã, no esta<strong>do</strong><br />

com que se trata majestoso e que, a tomar posse de outro morga<strong>do</strong> que de um<br />

tio seu her<strong>da</strong>ra, havia <strong>do</strong>us anos que estava em Florença quan<strong>do</strong> Doroteia com<br />

seus pais veio a Imola. Viu na igreja a Doroteia, por desgraça minha, e foi dela<br />

com atenção visto, perigo grande <strong>da</strong> firmeza quan<strong>do</strong> se repete a intenção e se<br />

multiplica a curiosi<strong>da</strong>de que franqueiam os olhos, pois com se pintar o amor<br />

cego, é certo que pelos olhos entra no coração.<br />

Empenhou-se Hortênsio em servi-la, porque se desvelou em amá-la; e<br />

consideran<strong>do</strong> ela poder ter nele avantaja<strong>do</strong> esposo na riqueza e no esta<strong>do</strong>,<br />

manifestou-me ser de Hortênsio ama<strong>da</strong>, porque faz a beleza razão de esta<strong>do</strong><br />

de render a muitos, mas encobriu-me que ela amava, por não padecer<br />

censuras na firmeza que eu tão confia<strong>do</strong> nela presumia. Quis picar-me com o<br />

novo opositor, não sei se por obrigar-me a que mais brevemente a seus pais<br />

por esposa a pedisse, ou para desenganar-me de pretendê-la. Com este<br />

anúncio desanimou minha confiança, temeu naufrágio minha ventura que eu<br />

qualificava tão propícia, igualaram os ciúmes com meu amor, que nunca se dão<br />

com pouco amor muitos ciúmes; culpei-a de inconstante, censurei-a de<br />

mudável, mostrei-me ressenti<strong>do</strong> em não continuar o vê-la, nem escrever-lhe, e<br />

foi esta diversão a ruína de to<strong>da</strong> minha esperança, achan<strong>do</strong> o perigo no que<br />

considerava remédio. Como ela tinha em Hortênsio tão fino amante que com<br />

extremos a servia e com desvelos a amava, deu-se por ofendi<strong>da</strong>, sen<strong>do</strong> ela a<br />

culpa<strong>da</strong>, e por agrava<strong>da</strong>, quan<strong>do</strong> eu era o ofendi<strong>do</strong> em sua mu<strong>da</strong>nça. Fechou<br />

as portas a ver-me, retirou-se de receber papel meu por castigar-me, fez<br />

divórcio com as janelas em que de antes me assistia, não me sen<strong>do</strong> possível o<br />

poder vê-la nem por descui<strong>do</strong>, nem por cui<strong>da</strong><strong>do</strong>.

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