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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte II 245<br />

corteje, seu desvelo o persuade, e assim como acções de interesse próprio lhe<br />

não fica em dívi<strong>da</strong> o coração alheio. Oh! quanto Eugenia fora mais venturosa<br />

por cruel <strong>do</strong> que o foi por pie<strong>do</strong>sa! Nunca mostrara que tinha peito de humana<br />

quem tinha a beleza superior; vivera sempre nos retiros de ingrata e não<br />

experimentara os infortúnios de compassiva; deixara só amar-se e não amara,<br />

deixara só querer-se e não quisera, não decera <strong>da</strong> eminência de admira<strong>da</strong> ao<br />

baixo de querer ser pie<strong>do</strong>sa, que quan<strong>do</strong> os elementos mu<strong>da</strong>m de sítio sempre<br />

é para ruína. Dece o fogo no raio e sobe a água na inun<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> dilúvio e tu<strong>do</strong><br />

é confusão, porque tu<strong>do</strong> an<strong>da</strong> fora de sua natural harmonia, o fogo decen<strong>do</strong> e<br />

a água subin<strong>do</strong>.<br />

Cap. VI.<br />

Em que Felisberto refere a história de Eugenia<br />

Era esta moça de quem vou tratan<strong>do</strong> única filha de seus pais que nela<br />

cifravam seus desvelos e empenhavam as memórias de seus cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s: era<br />

discreta como italiana e briosa como espanhola, que Espanha lhe comunicou o<br />

<strong>do</strong>naire e Itália o juízo, para que em tu<strong>do</strong> fosse cabal quem se prezava de seu<br />

única em tu<strong>do</strong>. A i<strong>da</strong>de não chegava aos vinte anos: flor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, se não<br />

dissermos que a mais dilata<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sempre pelo fugitivo é flor, que como nesta<br />

o viver parece acidente, pelo breve que dura to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> parece instante,<br />

porque a instantes passa.<br />

Estávamos os três prisioneiros neste castelo entregues à guar<strong>da</strong> de seu<br />

pai com aperta<strong>da</strong>s ordens <strong>do</strong> vice-rei, mas com liber<strong>da</strong>de para an<strong>da</strong>rmos por<br />

ele, aonde ela nos viu e foi de nós vista: não determino em que esteve o risco<br />

maior; só sei que o basilisco bem pode ser visto sem matar, mas não ver sem<br />

tirar vi<strong>da</strong>s, porque o veneno homici<strong>da</strong> não se oculta nos olhos que o vê, mas na<br />

vista mata<strong>do</strong>ra com que ele olha; assim o risco maior <strong>da</strong> fermosura mais<br />

próprio está em ver-se que me ver. É a fermosura, como disse Platão, a cousa<br />

mais amável: é raio que muitas vezes mata sem intentar matar, espa<strong>da</strong> que mil<br />

vezes fere sem querer ferir. Viu-nos enfim Eugenia e foi vista: a to<strong>do</strong>s<br />

alegraram seus olhos, admiran<strong>do</strong> a gentileza de que a <strong>do</strong>tou a natureza; mas

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