17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

678 Padre Mateus Ribeiro<br />

esperavam pôs asas ao desejo de quem primeiro a <strong>da</strong>ria. E logo vieram meu<br />

pai e irmão no coche, quan<strong>do</strong> eu e Zelin<strong>da</strong>, ricamente traja<strong>da</strong>, no batel <strong>da</strong> nau<br />

em terra saímos. Recebeu-nos meu pai com as lágrimas nos olhos e meu<br />

irmão com entranhável alegria; entrámos to<strong>do</strong>s quatro no coche e chegan<strong>do</strong> a<br />

casa, aonde minha mãe nos estava à porta esperan<strong>do</strong>, não referirei o que se<br />

passou, porque, como disse Plutarco, há cousas que declara mais o silêncio<br />

que as palavras.<br />

Admiraram-se to<strong>do</strong>s <strong>da</strong> fermosura de Zelin<strong>da</strong>, com cuja vista na<strong>da</strong> na<br />

ci<strong>da</strong>de de Taranto emparelhava, porque não só admitia não competências, mas<br />

antes à sua vista tu<strong>do</strong> se eclipsava. Despojou-se Zelin<strong>da</strong> logo <strong>do</strong> antigo traje<br />

que vestia e veio-lhe tão amol<strong>da</strong><strong>do</strong> o político cortesão <strong>da</strong> nossa Itália como se<br />

nele sempre se criara, sen<strong>do</strong> visita<strong>da</strong> <strong>da</strong>s mais ilustres senhoras <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,<br />

que to<strong>da</strong>s se despediam admira<strong>da</strong>s: que em na<strong>da</strong> parecia haver em Trácia<br />

nasci<strong>do</strong> e só na fermosura se mostrava peregrina, porque só nela parecia<br />

peregrina a fermosura. Enquanto cabalmente se ficava instruin<strong>do</strong> nos mistérios<br />

de nossa santa fé para receber o santo baptismo, e se preparavam os aprestos<br />

e galas para o recebimento (haven<strong>do</strong>-se despedi<strong>do</strong> de nós o capitão Flamínio,<br />

a quem além <strong>do</strong>s seis mil cruza<strong>do</strong>s que se lhe haviam prometi<strong>do</strong>, deram meus<br />

pais algumas peças de valor, agradeci<strong>do</strong>s ao muito favor que lhe devíamos,<br />

com que se deu não só por satisfeito, mas juntamente por muito obriga<strong>do</strong>); me<br />

lembrei <strong>da</strong> promessa que havia feito de vir a pé visitar este admirável santuário<br />

no mesmo traje de cativo em que vesti<strong>do</strong> estava quan<strong>do</strong> fiz o voto. E porque,<br />

como diz o padre Santo Agostinho 579 , quem vota ou promete ao desempenho<br />

se obriga, antes que vestisse as galas de noivo, quis tornar a vestir o pobre e<br />

humilde hábito de cativo; e assim despedin<strong>do</strong>-me de meus pais e de Zelin<strong>da</strong>,<br />

sem cria<strong>do</strong>s que me acompanhassem, a pé venho render as devi<strong>da</strong>s graças a<br />

esta milagrosa Senhora <strong>do</strong>s perigos que me livrou e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de que me deu,<br />

e <strong>do</strong> remédio com que hoje me vejo, que Zelin<strong>da</strong> trouxe consigo, que chega ao<br />

valor de quarenta mil cruza<strong>do</strong>s.<br />

Esta é, senhores, a peregrina história <strong>do</strong>s vários progressos de minha<br />

vi<strong>da</strong>, em que como em espelho se podem ver suas mu<strong>da</strong>nças, colhen<strong>do</strong> alívios<br />

a aflição e consolação a pena, para que ninguém desanime no magoa<strong>do</strong> <strong>da</strong> <strong>do</strong>r<br />

Aug., De Arm. & Paul.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!