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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte III 505<br />

se a ceia com abundância, que a tu<strong>do</strong> <strong>da</strong>va lugar a liberal franqueza de<br />

Eugénio, e depois se retiraram a descansar o que <strong>da</strong> noite restava. Pela manhã<br />

se despediram <strong>do</strong> sacer<strong>do</strong>te Eugénio mui agradeci<strong>do</strong>s à hospe<strong>da</strong>gem e<br />

cortesia que em sua casa lhes fez; pois, como diz Cícero, não só se devem<br />

agradecer as obras, mas igualmente a vontade com que se fazem ou as de<br />

quem as fizera se pudera obrá-las.<br />

Partiram os nossos três romeiros <strong>do</strong> lugar de Fortuniosa, em que<br />

Eugénio vivia, e chegaram a horas de meio-dia à ci<strong>da</strong>de de Tróia, edifica<strong>da</strong> nas<br />

raízes <strong>do</strong> monte Apenino por Babugiano, capitão <strong>do</strong> empera<strong>do</strong>r Miguel de<br />

Constantinopla, e que hoje tem título de con<strong>da</strong><strong>do</strong>, fértil de terreno e bem<br />

povoa<strong>da</strong> de mora<strong>do</strong>res. Nela descansaram <strong>do</strong> caminho e, quan<strong>do</strong> o sol<br />

mostrava declinar parte <strong>do</strong> intenso de seus raios, continuan<strong>do</strong> seu caminho,<br />

agradável na vista de várias povoações e lugares que se descobriam, foram<br />

<strong>do</strong>rmir à ci<strong>da</strong>de de Asculi, que dá título de duca<strong>do</strong> a um <strong>do</strong>s senhores de Itália.<br />

Hospe<strong>da</strong>ram-se em uma estalagem, por nela não terem pessoas conheci<strong>da</strong>s,<br />

fazen<strong>do</strong> Felizar<strong>do</strong> o gasto a seus companheiros com grande liberali<strong>da</strong>de. Era<br />

grande a estalagem, como são pela maior parte as de Itália, e tinha vários<br />

aposentos para os passageiros que a ela vinham, em um <strong>do</strong>s quais estava<br />

havia dias enfermo um homem ancião nos anos, venerável na presença, que<br />

se chamava Rogério, tinha si<strong>do</strong> rico <strong>do</strong>s bens <strong>da</strong> fortuna, que em várias<br />

navegações havia perdi<strong>do</strong>, e era natural de Liorne, marítimo empório <strong>do</strong> mar<br />

Mediterrâneo, que haven<strong>do</strong> desembarca<strong>do</strong> em Ravena e caminhan<strong>do</strong> para sua<br />

pátria, a<strong>do</strong>ecera nesta estalagem e estava quasi desconfia<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

Estava Rogério tão impaciente ao perigo e tão insofrível a ver se lhe<br />

avizinhava o último termo de sua vi<strong>da</strong> que nem se dispunha a tratar <strong>da</strong> alma,<br />

porque como furioso só se lembrava <strong>do</strong> temporal que perdia e não <strong>do</strong> imortal<br />

que ganhava. Estava tão senti<strong>do</strong> que fechava as portas <strong>da</strong> razão a to<strong>do</strong> o<br />

alívio, dizen<strong>do</strong>, como desespera<strong>do</strong>:<br />

- De que te serviram, ó Rogério, tantos anos gasta<strong>do</strong>s em surcar os<br />

mares, em caminhar as terras? Os dias inquietos, as noites desvela<strong>da</strong>s, tantos<br />

cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s sem fruto, tantos trabalhos sem proveito? Que hei-de morrer e <strong>da</strong>r fim<br />

a minhas esperanças? Que não hei-de ver mais nem <strong>do</strong> sol os raios, nem <strong>do</strong><br />

céu os astros, nem <strong>do</strong> pra<strong>do</strong> as flores, nem <strong>do</strong> campo os frutos, nem <strong>do</strong> cristal<br />

as fontes, nem <strong>do</strong> rio as correntes, nem <strong>do</strong> mar as on<strong>da</strong>s, nem <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a

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