17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

670 Padre Mateus Ribeiro<br />

venturas não é privilégio de quem te mereça: que nunca assegurou os logros,<br />

quem pode abonar merecimentos. Persuades-me a tirar-me, como se fora<br />

possível ver-te e não querer-te; e assim ou fias pouco de teu valor, ou de meu<br />

juízo; então só deixarei de amar-te quan<strong>do</strong> deixar de conhecer-te. Nem creias<br />

que possa faltar-me o amor enquanto me não saltar o juízo, pois navega minha<br />

vontade pelo norte de meu discurso e este está tão suborna<strong>do</strong> de teus olhos<br />

que não sabe guiar mais que a querer-te. Dizes que estan<strong>do</strong> empenha<strong>da</strong>, seria<br />

enganar-me o admitir-me. Não fui eu tão venturoso que chegasse a dever-te<br />

esse engano, que para um desditoso até nos enganos lhe fogem as venturas.<br />

Se ain<strong>da</strong> com enganos me quiseras, talvez o tempo os convertera em<br />

ver<strong>da</strong>des. Mas nem permitiste que te devesse meu amor uma alegria fingi<strong>da</strong>,<br />

senão este tormento ver<strong>da</strong>deiro.<br />

Pois eu me resolvo, ingrata Zelin<strong>da</strong>, a morrer na pretensão, por vingar<br />

nas moléstias que sentes as desesperações a que me conduziste. Eu cortarei<br />

as asas <strong>da</strong> ventura a teu amante para que abata o voo, pois eu só me fico com<br />

as penas. Verás se sou mais poderoso para derribá-lo <strong>do</strong> que foste poderosa<br />

para subi-lo. E por mais que intentes encobri-lo, maus linces ciúmes me farão<br />

conselho. Vive, Zelin<strong>da</strong>, desengana<strong>da</strong> de que ou hás-de ser minha, ou não<br />

hás-de ser sua. Sentirás o golpe de minha vingança conforme o que lhe<br />

quiseres: se o amas muito, não o sentirás pouco, e se o sentires pouco, certo é<br />

que lhe não queres muito. De beber desenganos e ciúmes na enfermi<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />

querer, não esperes senão delírios; e para tomar vingança de quem tanto me<br />

custa, a tomarei em quem não é culpa<strong>do</strong>, pois de ti me considero ofendi<strong>do</strong> e<br />

ele confessas ser de ti ama<strong>do</strong>.<br />

Assim desespera<strong>do</strong> e vingativo se despediu Sultão Ali <strong>da</strong> presença de<br />

Zelin<strong>da</strong>, ingrato objecto em que se cifravam seus cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s. Bem disse<br />

Quintiliano que o perder de to<strong>do</strong> as esperanças era a quinta-essência <strong>da</strong> <strong>do</strong>r<br />

para um desejo. Faz liga a desesperação, diz Hugo, com o mais arroja<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

furor. E como neste desengano que deu Zelin<strong>da</strong> a Sultão, cui<strong>da</strong>n<strong>do</strong> que o<br />

persuadisse a desistir de pretendê-la, pelo contrário publicavam seus<br />

desespera<strong>do</strong>s ciúmes viva guerra contra o sofrimento, nem ao turco ficou lugar<br />

de sossego, nem a Zelin<strong>da</strong> de segurança, entenden<strong>do</strong> que por to<strong>do</strong>s os meios<br />

havia de solicitar <strong>da</strong>r-lhe desgosto. Já culpava o haver-se declara<strong>do</strong>: porém<br />

imaginou que era meio para ele parar no desvelo como discreto e não para

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!