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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Alívio de tristes e consolação de queixosos - Parte V 765<br />

a queixa, desamparan<strong>do</strong> os senti<strong>do</strong>s e acudin<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o vital ao coração, para<br />

não se extinguir o anima<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> desfalecia o animoso. Enterneci<strong>do</strong> a tomei<br />

nos braços, e se contente <strong>da</strong> presa, pesaroso <strong>da</strong> aflição de quem eu tanto<br />

queria, e sain<strong>do</strong> ao jardim em que deixava franquea<strong>da</strong> a porta a meu<br />

atrevimento, me pus na rua; e qual outro troiano Eneias com a pie<strong>do</strong>sa carga<br />

de seu pai Anquises, sem encontrar pessoa alguma que me visse, nem<br />

reconhecer-me intentasse, que não foi pouca ventura, entrei nesta casa,<br />

trazen<strong>do</strong> a ela quem me mata com acidentais equivocações de viva.<br />

Com atenção cui<strong>da</strong><strong>do</strong>sa ouviu Antíoco a relação de Feliciano, admiran<strong>do</strong><br />

a ousadia <strong>do</strong> emprender e a brevi<strong>da</strong>de de conseguir o casamento de Florisela,<br />

pois no esta<strong>do</strong> presente já não julgava que pudesse ter outro fim tão temerária<br />

empresa. Discursava o escân<strong>da</strong>lo <strong>do</strong>s Martelinos, infestos sempre à família <strong>do</strong>s<br />

Tibertos, quan<strong>do</strong> a fama publicasse o atrevi<strong>do</strong> rapto de minha irmã, o<br />

sentimento de Silvério, a quem estava prometi<strong>da</strong>, e o casamento por to<strong>da</strong><br />

Cesena divulga<strong>do</strong>, e outros muitos inconvenientes que desta temeri<strong>da</strong>de se<br />

seguiam. Porém como já no feito não havia remédio para deixar de se haver<br />

cometi<strong>do</strong>, não quis molestar a Feliciano, senão tratarem com to<strong>do</strong> o cui<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

remédio para aplacar o desmaio de Florisela. Empenhavam-se as cria<strong>da</strong>s em<br />

despertá-la <strong>do</strong> letargo em que a privação <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s a tinha, já com rociá-la<br />

com o<strong>do</strong>ríferas águas que na casa de Feliciano abun<strong>da</strong>vam, já com outros<br />

remédios que aplicavam ao rigoroso parocismo; até que finalmente, quan<strong>do</strong> as<br />

confusas luzes <strong>da</strong> aurora vinham <strong>da</strong>n<strong>do</strong> duvi<strong>do</strong>sos anúncios <strong>da</strong>s alegrias <strong>do</strong><br />

dia, abriu Florisela os olhos como quem recor<strong>da</strong> de um pesa<strong>do</strong> sono, e<br />

desconhecen<strong>do</strong> a casa em que se achava e as cria<strong>da</strong>s que lhe assistiam, com<br />

um profun<strong>do</strong> suspiro, testemunho de suas penosas ânsias, perguntou às<br />

cria<strong>da</strong>s de quem era a casa e quem a ela a trouxera fora <strong>da</strong> companhia de sua<br />

mãe. Entrou neste tempo Feliciano, alegre de ver nela acções de vi<strong>da</strong>, e dizem<br />

lhe falou assi:<br />

- Suspende, fermosa Florisela, o intenso rigor dessa tristeza que te<br />

oprime, dilata o coração, não intentes encarcerá-lo em tua pena, nem<br />

atormentes o meu com teus pesares, que a casa em que estás é tua e tu só<br />

hás-de ser dela senhora. Culparas-me de atrevi<strong>do</strong>, mas aonde se achará amor<br />

grande nos extremos que seja reporta<strong>do</strong> nos discursos? Por isso o amor se<br />

pinta cego: porque discursa pouco, obran<strong>do</strong> muito. Meu intento nunca estu<strong>do</strong>u

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