17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

854 Padre Mateus Ribeiro<br />

valias à compaixão e advoga<strong>do</strong>s ao enternecimento de quem as ouve, falou<br />

assi:<br />

- Se o ser geralmente aborreci<strong>do</strong> de to<strong>do</strong>s se julga ser o maior castigo<br />

temporal e o requinta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s disfavores <strong>da</strong> fortuna, com razão pudera dizer,<br />

ilustres senhores, que ain<strong>da</strong> meus infortúnios não chegam a <strong>da</strong>r-me título de<br />

sumamente infelice, pois acho na pie<strong>da</strong>de de vossos ânimos tão propício o<br />

refúgio, tão nativa a compaixão e tão generoso o remédio. Só <strong>da</strong> pedra que foi<br />

precipita<strong>da</strong> ao profun<strong>do</strong> centro <strong>da</strong>s brama<strong>do</strong>ras on<strong>da</strong>s <strong>do</strong> vasto mar se perdem<br />

as esperanças de tornar a ver-se apresenta<strong>da</strong> aos brilhantes raios <strong>do</strong> sol, pois<br />

em ser despenha<strong>da</strong> deu as últimas despedi<strong>da</strong>s a ver-se mais exposta sobre a<br />

terra, quan<strong>do</strong> se engolfava a ser perpétua mora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> mar; porém eu, que<br />

distraí<strong>do</strong> no oceano de minhas desgraças tornei a tomar porto em casa tão<br />

ilustre, em ânimos tão generoso e em asilo tão benigno, não posso desconfiar<br />

<strong>do</strong> remédio, servin<strong>do</strong>-me de empório seguro contra o naufragante de minha<br />

derrota<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> o grémio pie<strong>do</strong>so de vossa nobreza.<br />

Para referir os perío<strong>do</strong>s de minha fortuna era necessário vagaroso<br />

tempo, sen<strong>do</strong> que, como disse Séneca 807 , nunca se numera o tempo ao que se<br />

diz, quan<strong>do</strong> jamais se pode de to<strong>do</strong> cabalmente dizer; e por moroso que o<br />

tempo se mostrara, não igualara ao extenso <strong>do</strong> assunto de meus devaneios.<br />

Estes compendiarei, por não ser molesto, como quem em grande mapa<br />

descreve grande mun<strong>do</strong>, acomo<strong>da</strong>n<strong>do</strong> minhas palavras mais ao decoroso que<br />

se deve a quem as ouve <strong>do</strong> que ao abatimento de quem as diz.<br />

Já tendes conheci<strong>do</strong> como nasci na ci<strong>da</strong>de de Bolonha de pais<br />

honra<strong>do</strong>s, se bem nos bens <strong>da</strong> fortuna pobres. Criaram-me com limitações<br />

conforme a possibili<strong>da</strong>de de seu cabe<strong>da</strong>l e indústria, que nunca o cabe<strong>da</strong>l pode<br />

ser muito quan<strong>do</strong> suas raízes se lançam sobre pouco. Tive uma irmã que se<br />

chamou Diana, nome que parece lhe convinha não menos pelo casto <strong>da</strong><br />

honesti<strong>da</strong>de que pelo raro <strong>da</strong> fermosura, queren<strong>do</strong> compensar-lhe a natureza<br />

nos extremos <strong>da</strong> beleza quanto lhe tinha nega<strong>do</strong> a sorte nas faltas <strong>da</strong> ventura.<br />

Era Diana as delícias de meus pais em que seus olhos se reviam e em que<br />

suas memórias se desvelavam: porque além <strong>do</strong> amor natural que os pais tem a<br />

Sen., Ep. 27.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!