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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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872 Padre Mateus Ribeiro<br />

parecia sonho e fantástica representação pelo breve que dura e tragédia pelo<br />

muito que atormenta. Man<strong>do</strong>u Feliciano fechar a porta <strong>da</strong> casa em que<br />

Constantino estava, para que Arnal<strong>do</strong> o não visse e pudesse <strong>da</strong>r notícias dele<br />

às justiças de Sarafina, e saímos to<strong>do</strong>s a recebê-lo, que ajoelha<strong>do</strong> em terra nos<br />

queria render as graças (se lho consentíramos); levantamo-lo nos braços e<br />

levan<strong>do</strong>-o à casa em que a filha com Jacinta estavam, que chorosas saíram a<br />

recebê-lo, ele banhan<strong>do</strong> em lágrimas as veneráveis cãs, tanto agora de alegria,<br />

como a passa<strong>da</strong> noite de triste, falou assim:<br />

- Quem me dissera a mi, rouba<strong>da</strong>s pren<strong>da</strong>s, que poderia a anciani<strong>da</strong>de<br />

de meus anos, o decrépito de minha i<strong>da</strong>de e o fugitivo termo de minha vi<strong>da</strong><br />

tornar a ver-vos, quan<strong>do</strong> a morte a passos largos vai cortan<strong>do</strong> os alentos e<br />

aceleran<strong>do</strong> os termos ao prazo de minha infelice vi<strong>da</strong>? Aonde deram tão<br />

grande baixa minhas malogra<strong>da</strong>s alegrias, quem pode assegurar-se <strong>da</strong> ânsia<br />

<strong>da</strong>s ver<strong>da</strong>deiras tristezas? E quan<strong>do</strong> an<strong>da</strong> a malícia tão desperta para o <strong>da</strong>no,<br />

como viverá seguro um descui<strong>da</strong><strong>do</strong> para a defensa? Nunca as desgraças<br />

costumam man<strong>da</strong>r avisos: juntamente se ouve o estron<strong>do</strong>so <strong>do</strong> trovão e se<br />

despede o cruento <strong>do</strong> raio; vem tão uni<strong>da</strong> a causa com a <strong>do</strong>r que nunca pode o<br />

efeito acautelar-se <strong>da</strong> causa. Ai de mi, queri<strong>da</strong> Doroteia, luz de meus olhos,<br />

glória de minha vi<strong>da</strong>, desvelo de meus cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s e único alívio de minha<br />

desconsola<strong>da</strong> velhice, centro de meu amor e alento singular de minha<br />

debilita<strong>da</strong> esperança! Foste de tua defunta mãe com extremos encomen<strong>da</strong><strong>da</strong> a<br />

meu cui<strong>da</strong><strong>do</strong> nos horizontes de sua morte e nas últimas despedi<strong>da</strong>s de sua<br />

vi<strong>da</strong>; quem me dissera a mim, ó pren<strong>da</strong> cara, que poderia atrever-se o desaforo<br />

ou presumir a insolência de foragi<strong>do</strong>s ban<strong>do</strong>leiros não nas públicas estra<strong>da</strong>s e<br />

trivia<strong>do</strong>s caminhos de Sarafina, não no fragoso <strong>do</strong>s montes e sombrio sítio <strong>do</strong>s<br />

vales, não nas embosca<strong>da</strong>s ocultas, nem nos retiros condensos a quem as<br />

copa<strong>da</strong>s árvores com sua sombra servem de sombra inculpável para<br />

encobrirem seus odiosos atrevimentos; mas <strong>do</strong> interior de minha própria casa,<br />

<strong>do</strong> pacífico retiro de meu <strong>do</strong>micílio te haviam de roubar de minha vista, arrancar<br />

de meus braços e tirar <strong>do</strong> centro de meu coração? Sente a inocente ovelha o<br />

levantarem-lhe de seus olhos o simples cordeirinho, a pomba o filho que<br />

cui<strong>da</strong><strong>do</strong>sa alimenta, e to<strong>da</strong> a ave e animal que de razão carece impaciente<br />

geme e com arrulhos por suspiros busca a pren<strong>da</strong> que lhe roubaram,<br />

mostran<strong>do</strong> nas sau<strong>da</strong>des de sua ausência o natural amor que de seu despojo a

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