17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

640 Padre Mateus Ribeiro<br />

levar, sem saber para onde, se não fosse para minha abrevia<strong>da</strong> sepultura. Que<br />

não param em porto mais alegre navegações de mágoas e pesares.<br />

Entre os outros presos que na cadeia comigo estavam, o que mais se<br />

me mostrou particular amigo era um licencia<strong>do</strong> florentino chama<strong>do</strong> Anacleto,<br />

que haven<strong>do</strong> em Bolonha estu<strong>da</strong><strong>do</strong> alguns anos, e sen<strong>do</strong> já forma<strong>do</strong> nos<br />

sagra<strong>do</strong>s Cânones, o culparam em a morte de um mancebo nobre que se<br />

achou morto uma noite na ci<strong>da</strong>de; e por haverem de antes ti<strong>do</strong> pendências<br />

entre si o morto e o preso, com alguns ameaços, à instância <strong>do</strong>s pais <strong>do</strong> morto<br />

o prenderam havia já alguns meses e com poucas esperanças de recurso em<br />

seu livramento. Ven<strong>do</strong> pois Anacleto em mim tantas demonstrações de tristeza,<br />

na ocasião em que a to<strong>do</strong>s parecia que devia eu mostrar-me mais contente, e<br />

indiciar tão duplica<strong>do</strong>s os desgostos no tempo em que parecia que a ventura<br />

me convi<strong>da</strong>va com as alegrias, apartan<strong>do</strong>-se comigo <strong>do</strong>s outros presos em<br />

lugar mais retira<strong>do</strong>, me disse assim:<br />

- Na ver<strong>da</strong>de, Hortênsio, que se eu fora o juiz de vossa causa e<br />

advertira na profun<strong>da</strong> melancolia em que vosso rosto se manifesta, a viera a<br />

julgar por indício provável de vossa culpa. Porque (como disse Quintiliano) não<br />

se dá inocência aonde há chaga escondi<strong>da</strong>. E <strong>da</strong> maneira que os sintomas<br />

exteriores (diz o Séneca) descobrem a quali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> mal que interiormente<br />

padece o coração, assim o excessivo sentimento de preso parece indiciar que<br />

vos oprime mais a culpa cometi<strong>da</strong> <strong>do</strong> que a carência <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de deseja<strong>da</strong>.<br />

Para vos molestar tanto o cativeiro, é o tempo ain<strong>da</strong> muito pouco em que<br />

tendes seus discómo<strong>do</strong>s experimenta<strong>do</strong>, e mostrar tanta pena por tão breve<br />

moléstia, ou dá indícios de serdes pouco sofri<strong>do</strong>, ou de estardes muito culpa<strong>do</strong>.<br />

Porque na balança <strong>da</strong> razão se deve pesar a pena com a causa, e nunca fica<br />

airoso nos olhos de quem o pudera, ser a pena tanta, sen<strong>do</strong> a causa pouca. O<br />

ateniense Alcibíades prisioneiro esteve em Sardis, ci<strong>da</strong>de de Líbia, por ordem<br />

de Artafernes, rei de Esparta; e Laome<strong>do</strong>nte, rei de Síria, prisioneiro se viu de<br />

Ptolomeu, rei de Egipto; Carlos, príncipe de França, prisioneiro foi d'el-rei de<br />

Aragão em Espanha; Francisco, rei de França, prisioneiro <strong>do</strong> empera<strong>do</strong>r Carlos<br />

Quinto; e Dom Hugo de Monca<strong>da</strong>, conde de Roselhon e Ampurias, se viu preso<br />

em rigorosa prisão pelo príncipe Dom Pedro, regente <strong>do</strong> reino de Aragão; e<br />

quan<strong>do</strong> a seus pés ajoelha<strong>do</strong> temeu que o man<strong>da</strong>sse degolar, o príncipe o<br />

levantou nos braços e lhe deu perdão e liber<strong>da</strong>de.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!