17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

806 Padre Mateus Ribeiro<br />

privilégios <strong>do</strong> dia, indícios de que as sombras <strong>da</strong> noite haviam já si<strong>do</strong><br />

companheiras de sua <strong>do</strong>r e lôbregas testemunhas de sua pena, admira<strong>do</strong>s<br />

juntamente e enterneci<strong>do</strong>s, postos nela os olhos, lhe disse Antonino assi:<br />

- Que desgraça ou que ventura, fermosa pastora, vos trouxe a tão<br />

deserto lugar? Se chorais sau<strong>da</strong>des, será paixão <strong>da</strong> ausência, se ingratidões, é<br />

tirania. Como no tosco <strong>da</strong>s serras se deu tal flor? Porém se são rega<strong>da</strong>s com<br />

tais olhos, os montes são pra<strong>do</strong>s, pois tais lágrimas derrama<strong>da</strong>s produzem<br />

rosas ain<strong>da</strong> entre as areias mais secas a quem o orvalho fertiliza pouco,<br />

porque só tais lágrimas as regam muito. Que causa tão poderosa <strong>do</strong>s roche<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> Apenino vos guiaram às on<strong>da</strong>s deste lago? Se para nelas vos verdes, é<br />

tosco o espelho para retratar tanta beleza, pois não presume o grosseiro copiar<br />

o portentoso e debuxar no móvel de suas on<strong>da</strong>s o firme que em tal fermosura<br />

pôs a natureza por admiração. Se fugistes por ofendi<strong>da</strong>, como teve ousadia o<br />

agravo para atrever-se à imuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> beleza? Como a ofensa ousou profanar<br />

o celeste de tal rosto, as luzes de tais olhos, o sublime de tal brio? Dizei-me<br />

quem foi o autor de vossas mágoas, que eu vos prometo vingar inteiramente<br />

vosso sentimento, pois não é justo que se glorie de ofensor, quem pudera só<br />

gloriar-se de ser amante.<br />

- Peço-vos, senhor, pois a ventura a este lago vos trouxe, me digais que<br />

terra é esta em que estou, quem sois e para onde navegais.<br />

Ao que Antonino respondeu assi:<br />

- O lago, fermosa senhora, que mereceu a felici<strong>da</strong>de de lograr vossa<br />

vista é o lago <strong>da</strong> antiga ci<strong>da</strong>de de Ferrara, em que as águas <strong>do</strong> famoso rio Pó,<br />

não caben<strong>do</strong> no coarcta<strong>do</strong> de seu leito e achan<strong>do</strong> espaçosa campanha para se<br />

dilatarem, formam este grande lago que vai a terminar-se ao mar, junto ao<br />

porto <strong>da</strong> ínclita ci<strong>da</strong>de de Ravena. Neste lago entram vários rios, que<br />

despenhan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s roche<strong>do</strong>s e densos bosques <strong>do</strong> monte Apenino, buscam<br />

nele para si a diminuição e para o lago os aumentos, indiscreto arbítrio,<br />

desluzir-se a si para que outro com seus desluzimentos cresça. É este areoso<br />

sítio algumas milhas deserto, e só junto ao casal <strong>do</strong> Pó e no marítimo em que o<br />

mar com o lago se encontra tem algumas povoações pequenas.<br />

Eu sou pesca<strong>do</strong>r, meu nome é Antonino, fui bem cria<strong>do</strong> e, depois de<br />

despender alguns anos no estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s letras e na vi<strong>da</strong> militar de sol<strong>da</strong><strong>do</strong>, me<br />

casei pobre em Veneza, aonde tenho mulher e filhos. A necessi<strong>da</strong>de me

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!