17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

294 Padre Mateus Ribeiro<br />

se nascera imortal, justamente tivéreis que sentir; mas nascen<strong>do</strong> obriga<strong>da</strong> a<br />

pagar à morte os foros <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, nem é admiração quan<strong>do</strong> os paga, sen<strong>do</strong> maior<br />

espanto quan<strong>do</strong> vive.<br />

É a vi<strong>da</strong> humana tão frágil e arrisca<strong>da</strong> que assim como o mais pequeno<br />

movimento <strong>do</strong> ar pode apagar a mais brilhante luz, assim qualquer acidente<br />

pode despojar a mais flori<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Qualquer indisposição a combate, qualquer<br />

enfermi<strong>da</strong>de a desmaia, qualquer excesso a enferma, qualquer mal a<br />

senhoreia e qualquer golpe a desanima. O sol com os calores, o Inverno com<br />

as neves, o vento com os sopros, as nuvens com os raios, os trovões com os<br />

assombros, a terra com os tremores, com a escuridão a noite e com os<br />

cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s o dia, to<strong>do</strong>s são perpétuos verdugos para acabá-la e com seus<br />

repeti<strong>do</strong>s assaltos não desistem de persegui-la. Pois se, como diz S.<br />

Agostinho 306 , to<strong>do</strong> o discurso de nossa vi<strong>da</strong> é uma estra<strong>da</strong> <strong>da</strong> morte, que<br />

maravilha fica sen<strong>do</strong> que uma vi<strong>da</strong> de tantos contrários combati<strong>da</strong> viesse a <strong>da</strong>r<br />

fim à jorna<strong>da</strong> que desde seu nacimento começou?<br />

Sentis, senhora Laura, porque a senhora Felícia se apartou? Não parece<br />

fineza de quem ama entristecer-se com os bens <strong>da</strong> cousa ama<strong>da</strong>: se ela foi a<br />

descansar desta contínua pena, para que haveis de mostrar tão vivo<br />

sentimento de seu descanso? Ela deixou as tormentas e está no porto, deixou<br />

os riscos e está na bonança, saiu <strong>do</strong> cativeiro e está em liber<strong>da</strong>de, fugiu <strong>do</strong><br />

perigo e está no seguro, deixou as sombras tristes <strong>da</strong> noite e está nos<br />

resplan<strong>do</strong>res <strong>do</strong> perpétuo dia, deixou os baixos <strong>da</strong> terra pelas eminências <strong>do</strong><br />

céu, as galas que se gastam pelas estrelas que brilham, a vi<strong>da</strong> que dura pela<br />

frágil que acaba, a pena que aflige pela glória que recreia. Pois se melhoran<strong>do</strong><br />

a sorte de sua ventura está contente, de que serve vossa pena? Queríeis<br />

porventura reduzi-la a que tornasse a engolfar-se no mar quem já se livrou de<br />

seus naufrágios? Seria abono <strong>do</strong> querer pedir que decesse aos vales escuros<br />

quem está nos montes alegres? Que viesse onde penasse quem está livre <strong>da</strong><br />

<strong>do</strong>r? Que tornasse aonde sentisse quem está livre <strong>da</strong> pena? Não me<br />

persuadirei que o desejais, pois conheço de vós quanto lhe quereis. Dai,<br />

senhora Laura, por bem emprega<strong>da</strong> a morte com que se logra a eterni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong>. Pois se enfim mais ou menos anos passa<strong>do</strong>s sempre havia de acabar,<br />

D. Aug., Lib. 3. De civil Dei. cap. 10.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!