17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

242 Padre Mateus Ribeiro<br />

acresce maior obrigação; pois a troco de não mostrar-me ingrata ao que<br />

fingias, cerrei os olhos a temer que me enganavas.<br />

Põe diante o esta<strong>do</strong> em que estás, o risco <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, a conta que hás-de<br />

<strong>da</strong>r, a obrigação que me deves, meu crédito perdi<strong>do</strong>, minha fama dislustra<strong>da</strong>,<br />

meus pais senti<strong>do</strong>s, meu irmão à morte arrisca<strong>do</strong> e eu de to<strong>do</strong>s aborreci<strong>da</strong> por<br />

teu respeito. De mulher bem nasci<strong>da</strong> e resoluta, quan<strong>do</strong> está tão injustamente<br />

agrava<strong>da</strong>, teme a maior vingança, que não há rigor mais tirano que aquele que<br />

nasce de um amor ofendi<strong>do</strong> e de uma fé mal paga<strong>da</strong>.<br />

Assim deu fim a senti<strong>da</strong> Anastácia a suas queixas, se queixas tão justas<br />

podem ter fim. Atento a ouviu o mal aconselha<strong>do</strong> amante e respondeu desta<br />

sorte:<br />

- Venceste, ó discreta Anastácia, com tuas razões meu desacerto, que<br />

negar ver<strong>da</strong>des tão notórias seria emprender impossíveis. É a razão pedra de<br />

estancar desculpas, que mal pode haver estas quan<strong>do</strong> a razão as embarga e a<br />

justiça as suspende. Confesso que te amei e que te devo as maiores dívi<strong>da</strong>s,<br />

que quem a dívi<strong>da</strong> confessa não quer isentar-se <strong>da</strong> paga. Dilatar o receber-te<br />

por esposa não foi por intentar em outra parte casamento, que isso ou foi ilusão<br />

de minha desgraça, ou imagina<strong>da</strong> apreensão de teus ciúmes; mas quis lograr<br />

os privilégios de livre este tempo em que não me resolvia a sofrer os encargos<br />

de casa<strong>do</strong>. Bem o pago no esta<strong>do</strong> em que me vês mais propínquo ao sepulcro<br />

que ao tálamo. Negar a teu irmão Alexandre a obrigação em que te estava, foi<br />

fazer pun<strong>do</strong>nor de querer obrigar-me com as armas ao que pudera persuadir-<br />

me a cortesia; e imaginei ficava desairoso em ceder ao desafio <strong>da</strong> espa<strong>da</strong> o<br />

que sem ela pudera vencer o termo <strong>da</strong> fi<strong>da</strong>lguia. Porventura quan<strong>do</strong> eu<br />

merecia tanta ventura em alcançar-te eram necessários desafios para receber-<br />

te? Mas não me admiro, que em ti foi acção de ciosa, em Alexandre de colérico<br />

e em mim de mal afortuna<strong>do</strong>. To<strong>do</strong>s os extremos fizeram liga em meu <strong>da</strong>no;<br />

que sabe uma desgraça unir o que muitos dias não poderiam ajuntar. E para<br />

desengano <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de que digo, aqui estou pronto para receber-te por esposa,<br />

sequer para que me estimes depois de morto, pois tanto risco me ocasionaste<br />

quan<strong>do</strong> vivos.<br />

Apenas o ansia<strong>do</strong> Dionísio deu fim a este enterneci<strong>do</strong> colóquio, quan<strong>do</strong><br />

Anastácia, largan<strong>do</strong> os grilhões às lágrimas que a paixão vingativa no íntimo de<br />

seus olhos tinha presas, quis mitigar com a água as chamas que em seu

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!