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o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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826 Padre Mateus Ribeiro<br />

- Nasceste, ó Giges, em duvi<strong>do</strong>sa estrela, pois no mesmo tempo te<br />

ameaça ou a ruína mais fatal, ou te promete a ventura mais altiva. Nem a to<strong>do</strong>s<br />

concede seu destino o poderem ser artífices de sua grandeza e arbítrios de sua<br />

felici<strong>da</strong>de; porém hoje em tua escolha consiste ou perderes a vi<strong>da</strong> com<br />

abatimento, ou subires ao trono com a maior ventura. Considera agora qual te<br />

será melhor. Se o viveres coroa<strong>do</strong> ou se o morreres abati<strong>do</strong>? Viste-me por<br />

ordem e consentimento de Can<strong>da</strong>ules descomposta em meu leito, cui<strong>da</strong>n<strong>do</strong><br />

que eu <strong>do</strong>rmia: engano foi de néscio presumir sono no vigilante de meu brio,<br />

pois quan<strong>do</strong> o sono me ocupara para ignorar tal agravo, me despertara o<br />

pun<strong>do</strong>nor para senti-lo; pois sentem as majestades as ofensas sonha<strong>da</strong>s,<br />

quanto mais cometi<strong>da</strong>s. Quis Can<strong>da</strong>ules fazer de ti a confiança mais indiscreta<br />

a título de favor e de mim o maior desprezo com pretexto de louvar-me: como<br />

se no mun<strong>do</strong> não pudessem <strong>da</strong>r-se abonos que sirvam de descrédito e pelo<br />

contrário agravos que possam servir de abonos. Ele obrou como néscio e tu<br />

como atrevi<strong>do</strong> em pores descompostos os olhos aonde não era lícito colocares<br />

os pensamentos irreverentes, quanto mais empregares os senti<strong>do</strong>s lascivos.<br />

Viste-me enfim descomposta, e presumias o poderes viver, haven<strong>do</strong>-me<br />

ofendi<strong>do</strong>? Se bem conheceras o vivo de minha mágoa, nunca seguraras os<br />

logros de tua vi<strong>da</strong>. Profanaram teus olhos a imuni<strong>da</strong>de de meu decoro, e não<br />

temias que havia de fulminar raios de vingança meu sentimento? Não sabes<br />

que a majestade ofendi<strong>da</strong> se arrisca pelo decoroso que sofre e se conserva<br />

pelo castigo que desagravan<strong>do</strong>-se executa? Pois ou escolhe o matares a<br />

Can<strong>da</strong>ules e ficares sen<strong>do</strong> meu esposo e rei de Lídia, ou haveres de perder<br />

infalivelmente a vi<strong>da</strong> com rigorosa morte, pois quem me viu descomposta ou<br />

há-de de ser meu esposo, ou não há-de ficar vivo, e para esposo já tar<strong>da</strong>s e<br />

para meu desagravo muito vives.<br />

Com esta resolução, sem esperar mais resposta, se retirou de sua vista.<br />

Suspenso a ouviu e assusta<strong>do</strong> ficou Giges, consideran<strong>do</strong> os <strong>do</strong>us extremos de<br />

sua resolução com a final sentença de sua morte se duvi<strong>da</strong>sse executar o em<br />

que lhe punha as condições <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Matar ao rei que o tinha levanta<strong>do</strong> ao<br />

zénite <strong>do</strong> favor, ao auge <strong>da</strong> privança, ao culminante <strong>do</strong> valimento e ao insólito<br />

extremo <strong>da</strong> amizade era condição dura, odiosa e execrável, exemplo intolerável<br />

<strong>da</strong> maior ingratidão, última raia <strong>da</strong> perfídia e singular portento <strong>da</strong> desleal<strong>da</strong>de.<br />

De outra parte o estimulava o temor, o incitava o receio, ven<strong>do</strong> sua vi<strong>da</strong> no

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