17.04.2013 Views

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

o caso mateus ribeiro - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

398 Padre Mateus Ribeiro<br />

aprazível a condição, sen<strong>do</strong> de tantas moléstias combati<strong>da</strong>. Era a vista de<br />

Amatilde para mim o maior recreio e o maior tormento; que só amor pudera unir<br />

tais extremos. Era o recreio de vê-la, pois se pudera receber aumentos sua<br />

fermosura, ca<strong>da</strong> dia parecia que crescia, porque ca<strong>da</strong> dia mais me agra<strong>da</strong>va.<br />

Era o tormento de ver nela uma isenção tão senhoril, um recato tão modesto,<br />

um brio tão grave, um olhar tão contrário a meu desejo que me causava<br />

admiração como nos retiros <strong>da</strong> corte, no tosco <strong>do</strong>s montes, no grosseiro <strong>da</strong><br />

criação se achava pastora tão briosa que, suborna<strong>da</strong> <strong>da</strong>s lisonjas <strong>da</strong> beleza,<br />

quisesse igualar e ain<strong>da</strong> avantajar por bizarra os privilégios que lhe negou a<br />

natureza de senhora. Assim nesta batalha de cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s flutuavam meus<br />

discursos (se por ventura chega a discursar bem quem deveras ama), quan<strong>do</strong><br />

oferecen<strong>do</strong>-se ocasião de por estar minha mãe indisposta, entran<strong>do</strong> ela a seus<br />

rogos um dia a trazer-me a comi<strong>da</strong>, valen<strong>do</strong>-me eu <strong>da</strong> oportuni<strong>da</strong>de <strong>do</strong> tempo,<br />

lhe disse desta sorte:<br />

- Bem disse Tito Lívio 398 que mal pode curar-se a feri<strong>da</strong> sem manifestar-<br />

se, e se nas <strong>do</strong> corpo é sentença tão certa, nas feri<strong>da</strong>s <strong>da</strong> alma quan<strong>do</strong> será<br />

mais ver<strong>da</strong>deira? Teus olhos, Amatilde, foram meus homici<strong>da</strong>s: Ro<strong>do</strong>lfo me<br />

feriu, tu me mataste; a ele to<strong>do</strong>s condenam e a ti ninguém te culpa, que eu só<br />

sou testemunha, mas de pouco valor porque sou parte. Pouco te devo no rigor<br />

com que me trataste, permite que sequer te fique deve<strong>do</strong>r este pequeno<br />

espaço com me ouvires, e deva-te por enfermo este favor, pois não pude<br />

merecê-lo por amante.<br />

Bem conheces quem sou e que só por ver-te me vejo no esta<strong>do</strong> em que<br />

me vês: prodigiosa vista foi a tua de que tais efeitos resultaram, e não me<br />

considero arrependi<strong>do</strong> se te confessaras obriga<strong>da</strong>; mas ai, que se padeço o<br />

<strong>da</strong>no, não descubro o remédio, e quan<strong>do</strong> cui<strong>do</strong> que mereço mais, então te<br />

obrigo menos? Mais vizinho à morte me tem teus disfavores que meus<br />

infortúnios, mais sinto teu rigor que minha pena: pois tão avara me concedes o<br />

ver-te sem assistências de quem emudece minha voz para queixar-se. Que mal<br />

dizem o seres enfermeira e o matar-me! Porque se como enfermeira me<br />

solicitas a vi<strong>da</strong>, como pouco pie<strong>do</strong>sa me condenas à morte.<br />

Tit. Liv., 3. Decad. lib. 8.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!